Entrevista

A nova realidade da hotelaria de Belo Horizonte

A Prefeitura de Belo Horizonte promoveu uma lei de incentivos a construção de novos hotéis em Belo Horizonte e com isto deu entrada 64 projetos. Muitos deles sem qualquer viabilidade executiva como a falta de vocação da localização, ausência de potenciais investidores e uma exagerada especulação imobiliária que aumentou o valor do m2 dos terrenos. Apenas 34 dos 64 projetos então levados a aprovação da Prefeitura estão atualmente em execução na capital mineira.

 

Destes, 32% estão flagrantemente atrasados e correm o risco de sofrerem pesadas penalidades se não entrarem em operação antes do dia 30 de março do próximo ano.

 

O Consultor Sênior da JR & MvS Consulting And Advisory, Maarten Van Sluys, conhece muito bem a realidade da hotelaria mineira. Ao longo de seus 28 anos de experiência internacional em gerenciamento de hotéis Executivos, Resorts e Apart- e CondoHotéis em renomadas redes como Sheraton, Othon, Caesar Park, Accor, entre outras, Maarten apresenta sua visão sobre a nova realidade hoteleira de Belo Horizonte nesta entrevista exclusiva.  

 

Revista Hotéis —  Quais foram os incentivos fiscais que a Prefeitura de Belo Horizonte concedeu para aumentar o parque hoteleiro na capital mineira? Isto foi uma decisão acertada?

 

Maarten Van Sluys  — Em 5 de julho de 2010 a Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou a Lei 9.952 proposta pelo Poder Executivo visando estimular o desenvolvimento da infra-estrutura de saúde, turismo cultural, de negócios e o emprego e renda. A nova lei de incentivo concedeu incremento substancial (conforme a premissas de zoneamento onde se localizavam os terrenos) de até 5x a área do terreno para novas edificações hoteleiras quanto a área total construída. A decisão foi inegavelmente acertada. Este incentivo foi de vital importância para que a viabilidade econômica de novos empreendimentos hoteleiros se tornasse possível. A proposição da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo veio de encontro ao diagnóstico realizado pelo Comitê Organizador da Copa do Mundo 2014 (as visitas de inspeção chefiadas por Paul Whelan – Comitê Organizador da Copa) começaram já em 2005), na qual Belo Horizonte apresentou flagrante déficit de UH (apartamentos) de padrão aceitável para o inventário necessário a atender a demanda da entidade esportiva que regula o futebol mundial.          

 

Revista Hotéis —  Quantos projetos hoteleiros deram entrada na Prefeitura de Belo Horizonte visando os benefícios fiscais concedidos? Na sua opinião houve exageros no número de projetos e por que motivo isto aconteceu?

 

Maarten Van Sluys  — Dentro do prazo limite estipulado pela Lei 9.952 na qual até 30.4.2011 os novos projetos deveriam ser protocolados junto aos Órgãos Municipais para aprovação (prazo este prorrogado até outubro do mesmo ano), contabilizamos um total de 64 projetos. Evidentemente muitos deles sem qualquer viabilidade executiva devido a fatores como : falta de vocação da localização ou características positivas do terreno para hotelaria e em decorrência destes, ausência de potenciais investidores (sejam pessoas físicas ou fundos de investimentos) para alavancar estes projetos. Num processo de depuração natural apenas pouco mais que a metade destes projetos submetidos a aprovação tiveram sequência. A especulação de imediato promoveu um aumento absurdo nos valores do m2 dos terrenos relacionados aos projetos. Uma vez demonstrando-se inviáveis estes voltaram a suas características originais, ou seja, o exagero existiu embora as leis de mercado tenham se incumbido de remover o excesso.        

 

Revista Hotéis —  Quantos projetos já saíram do papel, estão concluídos ou em curso e quantos podem não sair do papel?

 

Maarten Van Sluys  — 34 dos 64 projetos então levados a aprovação estão atualmente em execução na capital mineira embora 32% destes estejam flagrantemente atrasados conforme o cronograma. A Lei além de estipular a data de protocolo dos novos projetos também impôs a data de término das construções em 28 de fevereiro e de início do funcionamento em 30 de março de 2014 respectivamente. Os demais 30 projetos remanescentes nas pranchetas estão fora do incentivo da nova lei por decurso de prazo e por conseqüência disso é certo que jamais sairão do papel.       

 

Revista Hotéis —  Quais são as  penalidades para os empreendimentos que se beneficiaram com os incentivos fiscais e que não forem concluídos dentro do prazo previsto? Você acredita que esta multa será realmente aplicada? Se não for, não seria um desrespeito a quem cumpriu os prazos?

 

Maarten Van Sluys  — As penalidades previstas no texto da Lei de Incentivo 9.952 são pesadas. Os valores seguem uma fórmula matemática clara na qual variáveis como : valor venal e área do terreno, diferença do fator construtivo original do terreno x acréscimo são utilizadas para calcular a outorga onerosa a ser paga pelo dono do projeto (construtora e em alguns casos com a administradora hoteleira sendo solidária mas não os investidores individuais) em caso de não cumprimento dos prazos (conclusão de obras e inicio das atividades) e ainda a não permanência por 10 anos ininterruptos da atividade genuinamente hoteleira do futuro empreendimento. Utilizando-se de uma simulação concluímos que o valor da multa é altíssima. Uma vez aplicada compromete inteiramente a viabilidade do negócio. Mediante o exposto é certo dizer que ao assumir o projeto as construtoras de pequeno e médio porte assumiram um negócio de risco moderado. As expectativas dos que estão cumprindo os prazos de seus respectivos cronogramas é que a multa seja de fato aplicada, pois caso contrário os corretos estariam sendo penalizados. Na esfera jurídica espera-se ainda uma prolongada discussão sobre o tema.

 

Revista Hotéis —  Os empreendimentos que já tiveram unidades habitacionais vendidas e que não virarem realmente hotéis poderão prejudicar de alguma forma os investidores? Eles conheciam estes riscos na hora da compra?

 

Maarten Van Sluys  — Entendo ser uma atribuição básica dos investidores, em especial diante de diversificadas opções, analisar previamente detalhadamente as características do projeto, seriedade dos envolvidos e atenção as projeções de viabilidade. A cada dia vimos que os investidores imobiliário-hoteleiros são dotados de discernimento aguçado e estão atentos as variantes de cada projeto e o curso dos negócios. Mais e mais estão atentos as construtoras responsáveis pelos projetos e as administradoras hoteleiras que chancelam os mesmos. Promessas mirabolantes de rendimentos e pouca atenção a credibilidade podem transformar o investimento em uma dor de cabeça. Esta situação em menor escala se fez presente no segmento em Belo Horizonte após os projetos terem sido protocolados. O que presenciamos nos casos de investidores que realizaram aportes financeiros em projetos que “morreram antes de começar” foi uma negociação caso a caso com as construtoras e a migração para outros negócios capitaneados por estas mesmas construtoras.        

 

Revista Hotéis —  Já os empreendimentos erguidos e inaugurados, darão rentabilidade aos investidores, tendo em vista o número excessivo de novos hotéis?

 

Maarten Van Sluys  — Belo Horizonte apresenta desde o 2o semestre de 2010 um déficit em oferta de empreendimentos hoteleiros em variados aspectos. Este déficit é tanto quantitativo e especialmente, qualitativo. Dentre a capacidade instalada do parque hoteleiro da cidade expressiva parte está sucateada e não atende os atuais padrões mínimos exigidos por viajantes de negócios, congressos e lazer. Também a geografia da distribuição dos leitos apresenta uma aglomeração ineficaz. Atualmente os hotéis da cidade se concentram no Centro da cidade e na região Sul (Savassi e Lourdes) muito embora os negócios e pontos de interesse (negócios e lazer) a cada dia se expandam para os demais vetores urbanos da cidade.  São vários os casos de eventos cancelados por falta de capacidade do destino BH em receber seus visitantes quanto a acomodações. A futura nova oferta (mais bem distribuída geograficamente e trazendo produtos econômicos e com eficiência e tecnologia embarcadas) será muito positiva para o mercado. Após 2015 (considerado o ano de ajuste entre a súbita nova oferta e a demanda crescente em índices estáveis) calculamos que a rentabilidade (em um espectro de médio prazo conforme deve ser considerado para este negócio) atinja patamares que justifiquem plenamente o investimento realizado, boa parte dele, conforme as condições de pagamento dos ativos serão amortizados pela própria rentabilidade do negócio.    

 

Revista Hotéis —  Qual é a análise que você faz  do mercado hoteleiro de Belo Horizonte após a entrada em operação destes novos empreendimentos? Poderá cair a diária média assim como a taxa de ocupação?

 

Maarten Van Sluys  — A partir do ano que vem a hotelaria da capital mineira passará por profunda (a maior até então) transformação. O centro de gravidade será redistribuído geograficamente de forma salutar (as pessoas tendem a se hospedar próximas ao local de interesse ou motivação de sua viagem seja ela a trabalho ou a lazer). Sob a ótica dos serviços e a equação custo x benefício para seus hóspedes teremos uma concorrência balizada pela eficiência e as características de cada instalação hoteleira. Localização (endereço), espaços de eventos, gastronomia e tecnologia serão o fiel da balança e determinarão os líderes do futuro “market share”. Em um primeiro momento a concorrência assusta e alguns hotéis (em especial os antigos) sofrerão impacto (ajuste) em suas diárias-médias (hoje cobra-se caro por pouco ou nenhum serviço). Os novos hotéis terão vantagem competitiva e conforme as planilhas vigentes dos lançamentos hoteleiros propostas pelas operadoras hoteleiras, visualizo diárias bem coerentes para 2014 em diante. As taxas de ocupação sofrerão uma retração por curto espaço de tempo, porém o REVPAR (Receita por Apartamento Disponível) que é o parâmetro de performance que de fato interessa, se manterá em níveis estáveis. Importante ressaltar a eficiência, (baixo custo operacional) previsto para os novos empreendimentos através de recursos tecnológicos de ponta e a capilaridade comercial das bandeiras que aqui firmaram futuros contratos de administração hoteleira. A hotelaria familiar definitivamente precisa dar espaço ao profissionalismo e a capacidade da obtenção de resultados inerentes aos “players” (redes hoteleiras internacionais e brasileiras) que aqui chegaram para ficar.

 

Revista Hotéis —  Poderá haver riscos de fechamento de alguns empreendimentos que hoje estão mal posicionados ou você acredita que eles terão que se modernizarem para se manterem competitivos no mercado e existirão espaços para todos?

 

Maarten Van Sluys  — Mais uma vez aqui falará mais alto a lei natural de mercado que deve reger qualquer negócio. Quem apresentar eficiência de gestão, assertividade comercial estando atento as novas oportunidades de negócios, ajustando seus produtos, se sobressairá e garantirá a perenidade e sua rentabilidade. Nestes últimos 3 anos atestamos a movimentação de alguns hotéis antigos que, atentos aos acontecimentos, buscaram no investimento e renovação de seus equipamentos uma forma de sobreviver a nova era que se aproxima. Outros muitos simplesmente sairão do mercado e voltarão suas atividades para outros tipos de público mantendo sua característica de meio de hospedagem porém deixando de atender o público executivo. O que estamos prestes a presenciar é uma “renovação saudável de necessária da frota” quando alguns saem e outros ocupam seus lugares. Ainda assim não creio que ocorra a propalada “quebradeira”, termo usado por aqueles que, afoitamente tem medo de se posicionar em outro segmento. O que não dá para continuar é o atual cenário de hotéis cobrando caro por serviços ruins ou mesmo inexistentes. É preciso que os hoteleiros locais aprendam com as redes que o investimento (não só nos ativos) mas principalmente na capacitação e incentivo de suas equipes de trabalho são a mola-mestra que transforma hospedeiros em hoteleiros. 

 

Revista Hotéis —  A falta de locais para eventos em Belo Horizonte, assim como a necessidade da construção da segunda pista do aeroporto de Confins são apontados por alguns especialistas como gargalos  da hotelaria de Belo Horizonte. Você acredita nestas versões ou aponta outros fatores que prejudicam o crescimento da hotelaria da capital mineira?

 

Maarten Van Sluys  — Estes aspectos são claros e estratégicos e já foram detectados pelas iniciativas : públicas e privadas. O aeroporto internacional de Confins passa por profunda transformação onde áreas de embarque, fingers e toda infra-estrutura terá sua capacidade duplicada até o ano que vem e quadruplicada até 2025. Números do SNEA (Sindicato Nacional das Empresas Aéreas) e da Infraero estimam que os atuais 12,5 milhoes de passageiros-ano atinjam 20 milhões até 2020. O crescimento dos números aeroportuários de BH nos últimos 5 anos são exponenciais. O aeroporto da Pampulha além dos vôos regionais (em crescimento) se tornará também num centro de excelência de manutenção de aeronaves executivas e regionais. Quanto as áreas de eventos, onde temos total esgotamento dos espaços disponíveis (a agenda do EXPOMINAS na Gameleira está lotada até o final de 2015) existe a expectativa de ampliação de espaços, construção de novos centros de convenções (Municipal na região Norte da Capital) e transformação do Parque Bolívar de Andrade (Area de exposição Agro-Pecuária) em um novíssimo espaço empresarial dotado de capacidade instalada para médios e grandes eventos. Dentre os 34 hotéis em construção inúmeros dotam de pródigos espaços destinados aos eventos o que aumentará a capacidade dos eventos médios (maior fatia do mercado).  Um dos principais legados da Copa do Mundo 2014, o estádio Novo Mineirão se transformou num belíssimo espaço multiuso onde Shows Internacionais e Eventos já vem sendo realizados o que aumenta muito a procura por leitos na cidade nos “gaps” característicos de cidades como BH, nos finais de semana.  

 

Revista Hotéis —  A qualificação da mão de obra na hotelaria mineira é algo que preocupa ou os meios de hospedagens estão qualificando devidamente os seus colaboradores?

 

Maarten Van Sluys  — Vejo que a nova lei que traz em seu arcabouço o estímulo ao emprego e a renda através de uma melhor qualificação profissional atingiu o objetivo de trazer ao empresariado local a necessidade de investimentos em qualificação e incentivos laborais aos colaboradores. Uma boa hotelaria precisa de boas pessoas para atender seus hóspedes. Funcionários sem qualificação e planos de carreira delineados não conseguem entregar aquilo que foi prometido na venda. Atualmente, por iniciativa própria existem muitos estudantes e profissionais de outras áreas atentos as oportunidades que serão promovidas pela nova hotelaria belorizontina.  Investimentos em idiomas, técnicas de serviço em gastronomia e hospedagem, finanças, contabilidade, habilitação em TI (Tecnologia da Informação) e em especial profissionais atuantes de Recursos Humanos terão um mercado aberto diante de si. As principais redes, visando a abertura de seus empreendimentos em alguns meses já promovem recrutamento e seleção de profissionais no local como também buscam em seus próprios quadros colaboradores de destaque comprovado que desejem atuar na capital mineira. Esta oxigenação profissional do mercado será de extrema importância para que prestemos serviços a altura da já nacionalmente conhecida Hospitalidade Mineira de padrão internacional.

 

Revista Hotéis —  Mesmo com tantos empreendimentos hoteleiros sendo construídos em Belo Horizonte, haverá ainda espaço nos próximos anos para novas redes se instalarem?

 

Maarten Van Sluys  — Muito embora alguns estudos apontem uma equação desequilibrada entre demanda e oferta para os próximos anos na hotelaria de BH atestamos que 9 dentre 10 redes hoteleiras ainda não presentes no mercado local desejarem (como ponto de vital estratégia) operar empreendimento na cidade. Sob a forma mais apreciada (contrato de administração) ou em certos casos arrendamento ou franquia Belo Horizonte desperta fundamental interesse tanto na conversão de hotéis de operação como novos projetos viáveis. Sabemos que grupos hoteleiros fortes sabem muito bem fazer contas e não atacariam mercados onde não pudessem promover resultados relevantes. O potencial investidor deve avaliar detalhadamente cada projeto e optar por aquele onde a viabilidade aponte boas perspectivas. Avaliar quem está a frente do negócio e a performance da rede hoteleira em outras localidades de características similares a BH. Feito isso a satisfação futura com o negócio hoteleiro-imobiliário estará garantida pois poucos segmentos no mundo crescem como o de turismo de negócios.  

 

 

Contatos com o Consultor Maarten podem ser feitos através do e-mail msluys@uol.com.br ou pelo telefone (31) 8756-3754.

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