Coronavirus e turismo: tempo para reflexão
Questões sobre o (mau) desempenho do Turismo brasileiro para refletir nos dias de
paralisação forçada pelo coronavirus
Artigo de Fábio Steinberg*
Me solidarizo com todos os envolvidos no Turismo brasileiro que neste momento sofrem a interrupção abrupta e catastrófica de suas atividades. Claro que a situação afeta prioritariamente milhares de pessoas que vivem do setor. No entanto, também frustra próprios consumidores, impedidos de realizar seus planos de viagens.
Crises como a atual, se atingem negócios e sonhos, são também oportunidade para reflexão. No caso, a ociosidade involuntária no Turismo no Brasil bem que pode servir de pretexto para avaliar com maior profundidade questões que impedem o setor de deslanchar.
Na condição de jornalista de viagens e turismo nos últimos dez anos tenho muitas perguntas feitas continuamente a representantes do trade, mas que nunca receberam respostas satisfatórias. Selecionei dez delas. Espero que sirvam de pretexto para promover um debate saudável visando um patamar de excelência para o setor. E torcemos para que a retomada das atividades ocorra logo.
As dez questões
1 – Por que no Brasil não existem dados e estatísticas confiáveis que permitam sustentar um planejamento sério e realista no Turismo, como nos destinos mais bem sucedidos no mundo? Por exemplo, ninguém sabe informar com precisão itens básicos como o total de meios de hospedagem ou agências de viagens do país.
2 – Por que a gestão pública do Turismo brasileiro é entregue a políticos menores, ou gente inexperiente e quase sempre descompromissada com o setor? E por que estas “autoridades temporárias” não se comprometem com um planejamento exequível e a seguir sejam cobradas pelos resultados?
3 – Por que o empresariado do Turismo, que conhece, opera, e vive do setor, deixa a liderança nas mãos de governos? E por que se submete a iniciativas nem sempre felizes por parte de autoridades despreparadas? E por que as prestigia em eventos e homenagens?
Cruzeiros
4 – Por que os hoteleiros de destinos, principalmente resorts, não reclamam da concorrência desleal dos cruzeiros de grande porte? Afinal navios não se estabelecem no local, não empregam a maioria dos tripulantes brasileiros de forma permanente, não arcam com impostos e demais taxas como os hotéis, não enfrentam custos de manutenção mesmo diante da baixa ocupação fora de temporadas, entre outros.
5 – Nesta mesma toada, por que os destinos turísticos ainda acreditam que cruzeiros atraem mais visitantes e geram significativas receitas para os locais? Além da imagem de gigantescas naus atracadas, qual a contribuição que um navio que permanece só por 4 a 6 horas traz para a economia do destino? Exceto a CLIA, que gerencia em causa própria, algum destino promoveu pesquisa séria sobre isto?
6 – Falando nisso, qual é o compromisso da CLIA, organização internacional de cruzeiros marítimos, em relação ao desenvolvimento do turismo brasileiro? Afinal, de seus associados, os de maior peso multinacionais, só dois oferecem temporadas em mares do país (Costa e MSC). No entanto, o discurso de que esta indústria contribui para as receitas do país não condiz com a prática de exportar significativa parcela de brasileiros para navios das demais associadas no exterior. É o caso da NCL e Royal Caribbean, entre outros.
Associações e eventos
7 – Por que existem tantas associações de segmentos do turismo, algumas em redundância como na hotelaria, cada uma puxando a brasa para sua sardinha, mas nenhuma com a missão de representar o setor como um todo?
8 – Por que há tantas feiras e eventos de turismo e em inúmeros pontos do país, a maior parte irrelevante ou sem preparo técnico para exercer a atividade, mas que na prática servem só para disputar patrocínios e verbas oficiais?
9 – Por que a maior parte da imprensa que cobre o Turismo limita-se a reportar informações recebidas sem apurar, renuncia ao seu papel de crítico do sistema, e se transforma em “chapa branca”, com matérias que parecem tiradas de catálogo comercial?
Potencial do Brasil
10 – Por que o Brasil, com tanto potencial geográfico, cultural e humano, não consegue atrair mais visitantes internacionais, ou pelo menos alavancar o turismo doméstico? Que medidas práticas existem para incentivar agências de viagens a priorizar a venda de destinos brasileiros?
*Fábio Steinberg é jornalista e fez carreira executiva em comunicações na IBM, AT&T, Hill & Knowlton, e Rede Globo. Escreve para o site Turismo Sem Censura!, de forma independente e isenta, sobre todos os assuntos que envolvem o universo de viagens e turismo, assim como colabora com outras publicações. Contato – www.turismosemcensura.com.br