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Café da manhã é um elemento indutor das mudanças culturais

Artigo de Vani Maria Fonseca Pedrosa*

Presente desde o início das civilizações como desjejum, seguiu por séculos com um cardápio pouco variado: mingaus, sopas de grãos, pães rústicos amanhecidos, nacos de carnes dormidas, geralmente acompanhados de bebidas quentes ou, como no ocidente, com vinho e cerveja. No mundo tropical essa refeição incluía inhames, mandiocas, batatas de várias espécies, beijus e grãos. Nessa época, o café que lhe dá nome ainda não fazia parte dele. No caso do Brasil, outras plantas o substituíam e entre elas podemos citar a de nome popular “fedegoso” ou chá-mate, dentre outras infusões de ervas.

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Na Europa, foi o período do descobrimento que possibilitou o início de outra escala de valor para a primeira refeição do dia. Novos aromas e especiarias antes desconhecidos chegavam das viagens marítimas, novidades que seriam perfeitas para anunciar a nova era: o Iluminismo. Nesse período, a valorização das artes e da ciência se estendeu também para a forma alimentar como um dos expoentes deste ideal. A exemplo dos modos à mesa, que se tornaram mais refinados; a cozinha rústica dos animais inteiros da corte dos Médici, na Itália, deu lugar a uma cozinha mais minimalista, à moda da França; o desjejum, pouco valorizado até aqui, começou a se transformar em um ritual diferente. Os produtos exóticos das Américas seriam perfeitos para anunciar esse momento de mudanças: o chocolate asteca, o açúcar brasileiro, as frutas tropicais, dentre elas, o abacaxi – fruta preferida da época, principalmente porque, resistente a longas viagens, trazia um aroma nunca visto antes na Europa. Também um conjunto de serviço de mesa específico, até então pouco difundido, completou a inovação: xícaras, cristais, pratinhos, talheres, consomês e toalhas bordadas revelavam o charme especial deste novo modelo de desjejum, agora inserido em um espaço especial, com mesas postas nos salões de refeições ou nos jardins ao ar livre. Os antigos mingaus, carnes e pães dormidos se aprimoraram, sendo substituídos por petit fours, bolos e pães tradicionais diferenciados em cada região da Europa.

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Café da manhã é um elemento indutor das mudanças culturais
O café da manhã é a principal refeição do dia – Foto – Divulgação
Pequeno almoço

Assim, embora renascido na Europa, o café da manhã ainda não tinha exatamente o conceito que tem hoje, sendo uma refeição relativamente pequena se comparado à proposta atual, por isso chamada de “pequeno almoço”. Foi a partir da popularização desse hábito nas classes menos abastadas da Europa que aconteceu o incremento de um consumo em massa para alguns dos produtos dessa refeição no século XVIII: nas Américas, a produção cacaueira se espalhou, engenhos e mais engenhos de açúcar foram criados no Nordeste do Brasil, o abacaxi se tornou a primeira fruta a ser exportada em escala da América para a Europa. Em Minas Gerais, esse reflexo teve lugar na grande exportação de chá, que partia da região mineradora para a Europa, durante quase todo o século XVIII. Seguindo os passos do chá, o café, com sua ação estimulante, se tornou essencial a essa refeição, dando origem a um dos maiores commodities da produção alimentícia do Brasil, com destaque produtivo para São Paulo e Minas Gerais, nessa época. O café da manhã ganha, assim, um status especial, embora ainda não como uma refeição tão farta. Era por esse motivo chamada de “pequeno almoço”.

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Conceito breakfast

Só no século XIX, na própria América, o café da manhã foi concebido de forma mais próxima como o conhecemos hoje. Nos Estados Unidos, surgiu um novo modelo, sustentado pelo modo de vida americano: o breakfast, um conceito de café da manhã mais semelhante ao atual, uma refeição mais completa, capaz de sustentar um dia de atividades, que podia ser completado com um pequeno lanche ao longo do dia, até chegar a hora do jantar. Esse processo, a partir do século XIX, favorecia as jornadas diárias do trabalho na indústria e possibilitava o desenvolvimento de novos produtos por esta própria indústria, tais como biscoitos, cereais, frios e laticínios.

Café da manhã é um elemento indutor das mudanças culturais
Vani Maria Fonseca Pedrosa vai estar participando do Breakfast Festival que acontecerá em breve nos melhores hotéis da capital mineira – Imagem – Divulgação

Esse conceito de uma refeição expandida era perfeito para a hotelaria, devido a vários motivos: eram várias pesquisas científicas americanas que concluíam sobre os benefícios de um farto desjejum como uma opção mais adequada para a saúde. Aliado a esse fato, ele ainda possibilitava apresentar uma mostra da gastronomia local para os hóspedes e a qualidade dos serviços do hotel. Outro ponto relevante para o aprimoramento do café da manhã hoteleiro foi proporcionar que o hóspede ficasse bem nutrido por boa parte do dia, durante seus compromissos, com consequente economia de tempo e dinheiro. Estava assim feito o casamento perfeito: do café da manhã com a hotelaria. Com reconhecido valor nesse setor, o café da manhã dos hotéis, a partir do século XX, ganha novos contornos e se torna um ambiente propício a encontros de negócios e comemorações diversas.

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Reinventando o conceito

E no século XXI, que caminhos essa refeição irá trilhar? Certo é que ela continuará a se reinventar. Em primeiro lugar, as mudanças para uma sociedade tecnológica pressupõem uma valorização dos detalhes que reforcem valores humanos, como a estética e a afetividade, que podem ser simbolizadas pelo alimento produzido com técnicas tradicionais aprimoradas, pelas experiências de compartilhamento e pela memória local, sabores únicos e diferenciados de cada lugar. A exemplo disso, certos hotéis possuem assinaturas próprias em seu café da manhã. Alguns já são famosos por produzirem o próprio mel, ou fazerem dos meles artesanais verdadeiras iguarias saborizadas com produtos naturais locais. Outros curam os próprios presuntos e queijos; há os que possuem receitas guardadas a sete chaves. Em outros, o café da manhã se torna uma vivência do modo de vida local, como no Santuário do Caraça, onde o grande fogão a lenha com chapa, usado há 200 anos pelos alunos do colégio, hoje é usado pelos hóspedes do Caraça em uma experiência bicentenária. Outras vertentes da hotelaria proporcionam a inclusão das diversas correntes alimentares da atualidade, como aquelas para as dietas especiais. Ainda existem as propostas que inserem a diversidade alimentar e a biodiversidade local, por meio de preparos únicos com técnicas específicas e uso de produtos de origem. Há um leque de opções. O importante é que a forma escolhida surpreenda e represente a relação do público com o hotel, para que, mais uma vez, o café da manhã seja o palco para celebrar cada novo dia e a diversidade do século XXI.

*Vani Maria Fonseca Pedrosa é Mestre em Pesquisa Alimentar – Senac-MG

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Edgar J. Oliveira

Diretor editorial - Possui 31 anos de formação em jornalismo e já trabalhou em grandes empresas nacionais em diferentes setores da comunicação como: rádio, assessoria de imprensa, agência de publicidade e já foi Editor chefe de várias mídias como: jornal de bairro, revista voltada a construção, a telecomunicações, concessões rodoviárias, logística e atualmente na hotelaria.

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