Escala 12×36: uma nova perspectiva para a hotelaria
Ela surge como uma alternativa que não é apenas operacional, mas também cultural e, sobretudo, humana.

Artigo de Giovanna Mauro Zanini* – A hospitalidade é, essencialmente, sobre pessoas; sobre acolher, escutar e cuidar. Se, na hotelaria, esse é o mote aplicado todos os dias na experiência dos hóspedes, é natural e urgente que esse mesmo cuidado se estenda também a quem faz tudo acontecer: os colaboradores.
O setor hoteleiro opera em um ciclo contínuo — 24 horas por dia, sete dias por semana. E, por muito tempo, a escala 6×1 foi adotada como padrão, mesmo impondo desafios evidentes: jornadas exaustivas, dificuldade em equilibrar vida pessoal e profissional e, consequentemente, impacto na retenção e na atração de talentos.
A escala 12×36 surge, portanto, como uma alternativa que não é apenas operacional, mas também cultural e, sobretudo, humana. Com jornadas de 12 horas seguidas e 36 horas de descanso, esse modelo permite reduzir a carga mensal de trabalho em 40 horas, oferecendo aos colaboradores, em média, 15 dias livres no mês, sem perda salarial. Além de menos desgaste com deslocamentos, o modelo possibilita mais tempo para estar com a família, descansar, estudar, cuidar de si e viver novas experiências fora do ambiente profissional.

Mais do que uma mudança de escala, é uma mudança de perspectiva
Uma escolha alinhada a uma gestão que entende que produtividade e bem-estar não estão em lados opostos — ao contrário, caminham juntos. Como defende Rai Sisodia, cofundador do movimento Capitalismo Consciente, no livro “Empresas que Curam”: “Empresas que colocam o bem-estar das pessoas no centro de sua gestão não apenas prosperam financeiramente, mas também se tornam agentes de cura para a sociedade.”
Em uma pesquisa feita em um hotel da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, no qual a escala 6×1 foi abolida e 77% do quadro de colaboradores está trabalhando com a escala 12×36 há alguns meses, foram relatados impactos positivos como mais convívio com os filhos, menos tempo gasto no trânsito, oportunidade de estudar para o ENEM, prática de esportes e disponibilidade para cursos de inglês e gastronomia. Ou seja, além de beneficiar a saúde física e mental das pessoas, também pode resultar em uma dedicação à formação acadêmica e profissional, o que virá a influenciar, de forma direta e benéfica, o próprio trabalho delas.
Impactos econômicos na gestão do hotel
É claro que uma mudança para a escala 12×36 tende a gerar impactos econômicos na gestão do hotel, exigindo revisão de custos e mudanças em alguns processos. Trata-se de uma nova conta, mais complexa, capaz de endereçar economias subjacentes a essa proposta, como menor rotatividade e aumento de produtividade. Não é um formato que já vem pronto, mas que pode ser experimentado e, quem sabe, cada vez mais consolidado.
As lideranças hoteleiras precisam revisar algumas “certezas” em relação a práticas já defasadas. A sustentabilidade de um negócio precisa se pautar também na capacidade de se manter interessante para quem trabalha, a fim de aumentar o engajamento, a satisfação e, sobretudo, a percepção de cuidado por parte dos colaboradores.
Num momento em que o setor hoteleiro enfrenta desafios para atrair e reter mão de obra, promover ambientes de trabalho mais saudáveis é uma questão ética e uma decisão estratégica. Mudanças organizacionais tendem a reforçar a reputação de companhias hoteleiras como marcas que olham para a inovação e para o bem-estar. Vale, então, a coragem de testar novos formatos.
A escala 12×36 não resolve todos os desafios, mas é um caminho possível e concreto para transformar as relações de trabalho, tornando-as mais alinhadas com os tempos atuais e com o futuro que queremos construir. Que possamos, como setor, fortalecer esse debate. A especialização em acolher não deve se restringir ao que queremos para os hóspedes. Precisa, antes de tudo, começar com as pessoas que constroem, diariamente, a nossa hospitalidade.
*Giovanna Mauro Zanini é Diretora da Ribalta Hospitalidade.