ADIT Juris Digital 2020 debateu a estruturação da multipropriedade

Aspectos da lei de multipropriedade foram comentados em painel no ADIT Juris Digital 2020
No terceiro e último dia do ADIT Juris Digital 2020, Rodrigo Bicalho, da Bicalho e Mollica Adviogados; Maria Carolina Pinheiro, da Wyndham Hotels & Resorts; Márcia Rezeke, da Rezeke & Azzi; e Diego Amaral, da Dias e Amaral Advogados Associados, participaram do painel “Estruturação de empreendimentos em multipropriedade”, um dos destaques da programação. A mediação ficou a cargo de Maria Carolina, que começou o painel elogiando essa edição do ADIT Juris Digital 2020. Em seguida, explicou a sua participação na criação da Lei da Multipropriedade e sua atuação no segmento desde os tempos de RCI. A seguir, convidou os participantes a se apresentarem a começar pela Dra. Márcia. “Anteriormente falávamos do timeshare e o tempo foi passando. Hoje vivemos um ambiente de compartilhamento de uso de bem. Milito nessa área há bastante tempo, é um segmento que adoro e é um dos institutos mais interessantes de direito e de venda. Sou muito fã desse produto”, disse Márcia Rezeke.
Rodrigo Bicalho também agradeceu os organizadores do ADIT Juris Digital 2020 e fez uma breve apresentação. “Acho que temos uma oportunidade boa de debater aspectos da multipropriedade, tanto no âmbito de lei como em outras características”, observou. Diego Amaral agradeceu o Presidente da ADIT Brasil, Caio Calfat e explicou a sua atuação na modalidade: “Nosso escritório é sediado em Goiânia e já há quase dez anos atuamos em multipropriedade. Fazemos todo o trabalho de mercado imobiliário entre outros assuntos pertinentes, entre eles a multipropriedade, com toda a engenharia jurídica para viabilização dos projetos, junto com os parceiros empreendedores, que são corajosos visionários. Acredito que um painel como esse vai elucidar o que a modalidade, principalmente em aspecto prático”, pontuou.

Números
Maria comentou números de um estudo realizado pela Caio Calfat Consulting. “São 109 empreendimentos hoje, é um segmento que cresceu 18% em relação a 2019; e quando analisamos o crescimento dos últimos três anos, observamos um aumento de 26% em novos projetos. O setor movimenta mais de R$ 20 bilhões atualmente. Para fazer isso acontecer, deve-se contar com um respaldo jurídico para que tudo aconteça com proteção ao consumidor e ao empreendedor e esperamos que esses números cresçam ainda mais”. A seguir, a executiva pediu que a Dra. Márcia falasse sobre os aspectos da lei e a sua relevância para o mercado.

Segundo Márcia, “A lei veio em bom momento, com mercado crescente, temos pela tradição brasileira, as regras colocadas, especialmente em um mercado de relações complexas. Nessas relações o que acabamos encontrando é a necessidade de cuidados afinados na estruturação desse negócio. Até porque num mesmo empreendimento, além da multipropriedade, existem outras modalidades. Antes usávamos instrumentos jurídicos que não eram feitos especialmente para o segmento. Quando você tem uma lei, é como se costurassem uma roupa sob medida para você. A lei foi talhada para o negócio, então ela vai vestir melhor. Mas não podemos esquecer que se trata de uma relação condominial, onde mais que as questões jurídicas, existem questões comportamentais, onde se fazem necessárias a criação de regras que devem ser cumpridas. O período em que você exerce seu período é um período de exclusividade. E no fim desse período, você deve liberar para outros que também são proprietários. A lei veio para elucidar todas as questões de forma que não prejudique o outro e nem o condomínio. Até por conta do judiciário, de um direcionamento para o judiciário. É um produto específico e tem de ser tratado dentro dessas especifidades”, explicou a advogada. “Existem convenções de condomínio que regulam a utilização. A questão pet friendly é uma delas, dentro das 52 famílias que utilizam um mesmo imóvel, podem existir pessoas com alergias a animais. Um produto exitoso em vendas não significa exitoso em operação. Deve-se olhar para todos os aspectos antes de adquirir”, complementa.

Convenções de condomínio
Para Amaral, a convenção se aplica às lacunas que a lei deixa em aberto. “O sucesso de vendas da comercializadora não significa o sucesso do empreendimentos. Existem cotas que são vendidas dez, quinze vezes em uma única propriedade”, observou. Márcia complementou: “Podemos estar em um universo de um empreendimento com dez mil pessoas. E isso é o tamanho de uma cidade, que têm leis, regras, enfim seu universo legislativo, com direitos e deveres. Quando falamos nisso, temos de ter uma constituição (convenção), senão estaremos estruturando essa cidade em um pântano que pode ruir e quando determinadas situações apresentam quóruns de unanimidade, isso se torna impossível dentro desse cenário”, disse.
Cancelamento e lei de destrato
Diego Amaral detalhou características sobre a lei de destrato. “Por vezes o consumidor adquire o produto e depois de um tempo se torna insatisfeito com esse produto. Em dezembro de 2018, mesmo mês e ano da lei de multipropriedade, surgiu a lei de destrato que pacificou a relação entre consumidor e empreendimentos. Na multipropriedade temos uma grande leva que não utiliza patrimônio de afetação. Diferente de uma incorporação convencional, na multipropriedade temos alguns que têm e não têm patrimônios de afetação. Quando existe o patrimônio de afetação, a retenção é de 50%, ultrapassando o que o STJ entendia como um limite de 25%. O momento da devolução só se dará 30 dias após a emissão do habite-se do empreendimento. O patrimônio de afetação, de forma simples, é a divisão do patrimônio do empreendimento em relação ao patrimônio do próprio empreendedor”, explicou.

Bicalho pontuou que a multipropriedade ainda é vista como uma compra feita na empolgação. “O cliente acaba comprando sem fazer as contas e acaba desistindo, pois estava motivado pelo ambiente, pelo encantamento de suas férias e pelo destino. Acho que a chance de arrependimento ao consumidor é saudável sim, principalmente nesse negócio. A forma de venda é muito criativa, mas temos de tomar cuidado pois alguns setores veem isso de forma diferente. A forma de abordagem, para parte do Ministério Público, coloca o cliente como hiper-vulnerável. Eu não concordo. Acho que é forçação de barra, mas o Ministério alega contra o produto e quer uma condenação por um dano moral, inclusive. É preciso controlar essa situação”.
Márcia trouxe para o debate, um case sobre uma promotora que foi abordada e se sentiu “asfixiada”, questionando à advogada as características incisivas da venda do produto. “O foco principal desse produto é a experiência, acima da questão patrimonial. Em resposta ao questionamento dela, é muito claro, segundo a experiência americana, a necessidade do período de reflexão. Sete dias não é pouco, mas 30 dias me parece exagerado. O cliente não é hiper-vulnerável, longe disso, mas em nome da proteção a esse consumidor, é que se faz essencial a reflexão. Para mim antes uma dor intensa do que uma dor sem fim. É melhor que ele devolva do que amargar – ambos os lados – os custos de um processo”, ressaltou a advogada.