Opinião

Cliente Oculto: O dono folgado – Artigo de Marcos Galvez

Marcos Galvez*

 

A Copa do Mundo de 2014 no Brasil está cada vez mais na pauta dos principais veículos de comunicação. Seja com notícias positivas e de investimentos corretos – são poucos os casos -, seja com informações sobre uso de dinheiro público, falta de transparência nas contas e atrasos. Infelizmente, a maioria das manchetes.
Leio constantemente sobre investimentos de grandes hotéis em reformas e adequações com foco em um hóspede exigente que vem por aí. Esses estabelecimentos de grande porte ficam nas cidades sedes já definidas e em outras um pouco menores, que são chamadas pela FIFA de subsedes. Eles investem com fôlego e confiança de quem entende do negócio que gerem. Porém, ainda não há uma lista oficial de quais subsedes serão as escolhidas, apenas algumas pré-selecionadas.            
O que poucos se lembram neste momento é que as cidades menores, as de praia principalmente, também serão muito procuradas por turistas, sejam brasileiros ou estrangeiros. Neste aspecto, as pousadas irão se transformar em uma das maiores opções de hospedagem nessas regiões. E aí é que mora o perigo. Não basta ter conforto ou um belo projeto – é preciso oferecer um serviço de qualidade para não causar insatisfações ou saias justas. E, às vezes, o problema mora na própria pousada: o dono!
É isso mesmo. Não raro o proprietário confunde a administração do estabelecimento com sua casa de veraneio particular. Em geral, esse empresário nunca trabalhou com hotelaria, não fez nenhum tipo de curso de capacitação e sequer viajou muito, conhecendo diversos tipos de pousadas na pele de hóspede para ter parâmetros ao montar seu próprio negócio. Entretanto, esse cara sempre acreditou que a “pousadinha na praia” era a melhor escolha para ter uma renda, longe da capital, depois de aposentado. Ele reluta em perceber que precisa se comportar como um bom funcionário da sua pousada e não como um hóspede cheio de privilégios e com poucos deveres.
Em vários trabalhos atuando como cliente oculto tive experiências desagradáveis com os donos do local onde me hospedava. Há aqueles que ficam andando à vontade, em trajes de banho, pelas dependências. O que pede para a cozinha preparar algo diferenciado – e geralmente mais apetitoso – para si e não disponibiliza o mesmo tipo de alimento para os hóspedes, que observam tudo de perto. E até uma ocasião em que havia um enorme rottweiler à solta, afinal, era o cachorro de estimação da família. Tudo bem, o cão era mais dócil do que um gatinho, mas seu porte assustava e nenhum hóspede deveria passar pelo constrangimento de viver situações assim.        Contudo, o tipo de hoteleiro amador mais comum é aquele que acha que está em férias permanentes. Ele se senta em uma das mesas da piscina e fica tomando cerveja o dia inteiro, enquanto observa, satisfeito, os filhos, netos e amigos – todos convidados para o final de semana, claro – se esbaldando na piscina. Nesse meio tempo, os clientes que pagaram para estar ali disputam espaço com sua família e não conseguem desfrutar nem de diversão, nem de descanso.  Há, inclusive, aqueles que recebem os amigos na sala de TV para torcer pelo time de coração! Tudo regado a gritos, palavrões e vuvuzelas!
Uma das cenas mais insólitas, de quando ainda estava no Guia Quatro Rodas, reflete bem esse exemplo. Estava em Paraty, no Rio de Janeiro, e me identifiquei para o dono da pousada como jornalista. Ele estava dentro da piscina e lá ficou, nem teve a boa vontade de sair para passar as informações de seu estabelecimento. Será que ele trataria um hóspede com dúvidas da mesma maneira? Claro, tudo isso pode ser chamado de amadorismo, mas em muitos casos, o proprietário não enxerga o que está fazendo de errado. Age por naturalidade e não por maldade. Um simples teste de cliente oculto serve para apontar essa falha gritante. Por incrível que pareça, já tive casos em que o dono não acreditava que atitudes como as citadas acima incomodassem tanto os hóspedes.
Espero que a Copa do Mundo do Brasil possa ter um resultado tão positivo para o setor hoteleiro quanto alguns acreditam. Ainda acho que muitos crêem que a “hospitalidade brasileira e a nossa simpatia” farão com que os turistas esqueçam ou deixem de reclamar dos problemas. Não é assim que devemos pensar se queremos nos tornar uma grande nação e um país que fatura muito com o turismo como um dos carros chefes.

 

*Marcos Galvez é um personagem criado pelos consultores da Konduti, empresa de cliente oculto especializada em hotelaria, gastronomia e turismo. konduti@konduti.com.br

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