Governança Corporativa é pra já

Além de minimizar riscos ao negócio, um atuante e eficaz sistema de Governança Corporativa, age positivamente com relação ao índice de satisfação dos stakeholders

Artigo de Juliana Bernardo*

Em setembro deste ano, um adolescente de 12 anos caiu do nono andar de um hotel na cidade de Salvador/BA. Verificou-se que tratava-se de acidente e peritos que analisaram o caso relataram, na ocasião, que no quarto em que o adolescente estava (acompanhado de seu tio) não havia rede de proteção nas janelas.

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Em resposta às investigações e especulações veiculadas na imprensa, o hotel manifestou-se que, por tratar-se de condo-hotel, não teria responsabilidade sobre o ocorrido. De imediato, denotam-se alguns (grandes) problemas já identificados nessa curta narrativa. Nos apegaremos, no entanto, na questão estritamente jurídica e de eventual responsabilização do hotel pelo lamentável ocorrido.

Um condo-hotel, trata-se de empreendimento hoteleiro com unidades autônomas que possuem escritura definitiva, administradas por uma operadora hoteleira. A compra de uma unidade de condo-hotel, portanto, visa somente a obtenção de renda por meio da participação societária, pois nesta modalidade de contrato há a renúncia ao direito demorar. Havendo a renúncia, conclui-se que há imediata descaracterização da unidade como imóvel, equiparando-se portanto à natureza de prestação de serviços.

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Em razão da complexidade da matéria, há entendimento que a compra de um condo-hotel trata-se, na verdade, de um investimento coletivo, sujeitando-se, portanto suas operações à regulamentação prévia e fiscalizatória da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, que nesse sentido, divulgou em agosto de 2018 regras para aquisição de condo-hotel, por tratar-se evidentemente de modalidade de participação societária.

Portanto, a nebulosidade que paira sobre o tema, certamente nos leva à seguinte reflexão: se quem adquire uma unidade de condohotel não torna-se proprietário do imóvel diretamente, sendo tão somente um acionista do ofertante, as questões relativas à segurança e adaptabilidade do imóvel seriam de quem? Fato é que, enquanto tais questões não forem consensuadas, tais ocorrências sempre serão vinculadas à administração do hotel, seja pela questão contratual (jurídica) ou a exacerbada exposição do hotel, que eventualmente pode se dar de maneira indevida, com veiculação de notícias nos meios de comunicação a respeito do ocorrido.

O ponto crucial aqui é que, além da ausência de um alinhamento societário robusto e falta de um mapeamento de todos os riscos a que tal operação (venda do condo-hotel) estavam sujeitos, há notória falta de alinhamento dos princípios básicos de Governança Corporativa (a saber: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa) com seus stakeholders. Evidentemente, eliminados alguns riscos preliminares, tragédias poderiam ter sido evitadas.

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Os problemas não param por ai. A Airbnb, famosa startup de US$ 31 bilhões que perturba o sono dos hoteleiros, anunciou recentemente que pretende abrir capital na Bolsa de Valores em 2020. Para que uma empresa possa estar listada na Bolsa, ela precisa atender à critérios mínimos estabelecidos pelo CVM – Comissão de Valores Mobiliários, dentre eles, ter uma sua estruturação de gestão com comprovadas boas práticas de Governança Corporativa. A velocidade com que a startup se preocupa e se antecipa para tais tendências societárias e de mercado é um sinal amarelo para a necessária adaptação do ramo hoteleiro. Se mesmo com todas as tendências de mercado apontando para a real necessidade de se implantar boas práticas de Governança Corporativa no setor, ainda não há um movimento ativo para isso, talvez a imposição legal auxilie.

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Em novembro de 2018, o sistema de reservas Starwood, marca da Marriot, foi invadido por hackers e, na ocasião, obtiveram acesso a dados de cerca de 500 milhões de pessoas.  Sobre o caso, a Marriot informou que 327 milhões de pessoas tiveram expostos, além dos dados pessoais, dados completos de cartões de crédito e informações sigilosas acerca da chegada e partida dos hóspedes. A multa pela ausência de controle por parte da empresa foi pesada: R$ 470 milhões. Em razão desse e outros graves acontecimentos relacionados ao tema, espelhada com suas peculiaridades  na legislação americana FCPA – Foreign Corrupt Practices Act – nasce no Brasil a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709 que terá vigência a partir de agosto de 2020).

Governança Corporativa é pra já
A Lei Geral de Proteção de Dados começa a vigorar em agosto do próximo ano Crédito da foto – GettyImages

Resumidamente, a lei brasileira determina que as empresas devem ter certos cuidados no armazenamento de dados de pessoas físicas, evitando, portanto, o compartilhamento ilegal e não autorizado dos dados de seus clientes. Até a vigência da lei, que será a partir de agosto de 2020, diversas empresas tem instaurado verdadeiro processo de caça às bruxas em suas políticas de segurança da informação e estruturação de processos internos para minar a possibilidade de falhas em sua operacionalização. O descumprimento do que determina a lei, poderá gerar aplicação de penalidades às empresas, cujas sanções vão desde advertência, passando por publicização da infração, até multa estratosférica de 2% do faturamento da empresa, podendo chegar (pasmem!) até R$ 50 milhões por infração. Se a preocupação dos administradores poderia ser algo relacionado a “não saber o que fazer para não infringir a lei”, ela dá um norte por onde deve-se começar. O legislador dedicou a Seção II, do Capítulo VII da lei para discorrer sobre as boas práticas de Governança a serem seguidas, detalhando, por exemplo, requisitos mínimos de controle que a empresa deve adotar.

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Curiosamente, os hotéis possuem um setor de governança para as dependências do hotel (ou uma pessoa designada a exercer este papel), dedicando a ele a gestão das camareiras e dos profissionais responsáveis pela prestação de serviços, visando condições perfeitas de higiene, organização e atendimento. Por que, então, não haveria necessidade de ter a Governança Corporativa na gestão para que as coisas funcionem corretamente a partir do topo? Questionamentos relativos à como vincular a cultura da empresa (funcionários e colaboradores em geral) ao propósito dos gestores, atribuição de responsabilidades dentro do organograma do hotel, elaboração de políticas e regimentos internos que tornem viável o entendimento do que se espera de todos os envolvidos na organização, pareceres societários e suporte na condução da implantação das decisões tomadas pela gestão, mostram-se indispensáveis para a sobrevivência do ramo hoteleiro no Pais.

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A maioria das empresas do ramo, sequer contam com departamento jurídico interno, ou secretaria de Governança Corporativa que se responsabilize pela formalização das estratégias tomadas, sendo acionado advogado somente quando há necessidade de defesa judicial ou eventual acionamento do judiciário para discutir questões relativas à alvarás ou à redução de impostos. Além de minimizar riscos ao negócio, um atuante e eficaz sistema de Governança Corporativa, age positivamente com relação ao índice de satisfação dos stakeholders, considerando que o principal, neste caso, é o próprio hospede, proporcionando aumento significativo das recomendações, publicidade espontânea aos hotéis que atuarem com boas práticas no setor e consequentemente aumento no retorno financeiro, pois cria valor ao negócio, acarretando no desenvolvimento da confiabilidade dos investidores. A adaptação para as boas práticas de governança corporativa não se dá, obviamente, da noite para o dia, mas começar é necessário. E precisa ser agora.

*Juliana Bernardo é Consultora e Advogada dedicada aos temas de Governança Corporativa, Diversidade, Compliance e Societário. Integrante da Comissão Permanente de Compliance do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Foi a única mulher a integrar a Comissão de Mercado de Capitais e Governança Corporativa da OAB/SP. Possui especialização em Auditoria Interna pelo Instituto de Acreditação e Gestão de Saúde, Pós-graduada em Processo Civil pela PUC/ SP, Bacharel em Direito pela USJT e Tecnóloga em Administração de Empresas. Palestra e ministra aulas sobre Governança Corporativa desde 2018, após trabalhar em reestruturação e implantação de soluções corporativas em empresas de grande porte no cenário nacional.

Contato: E-mail: [email protected]

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Edgar J. Oliveira

Diretor editorial - Possui 31 anos de formação em jornalismo e já trabalhou em grandes empresas nacionais em diferentes setores da comunicação como: rádio, assessoria de imprensa, agência de publicidade e já foi Editor chefe de várias mídias como: jornal de bairro, revista voltada a construção, a telecomunicações, concessões rodoviárias, logística e atualmente na hotelaria.

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