Especial

Pousadas nas favelas cariocas fidelizam turistas estrangeiros

Ao contrário de hotéis da orla marítima que oferecem muito conforto e mimos, as pousadas nos morros oferecem pouco conforto, mas experiências únicas e chance de experimentar a vida na comunidade a preços bem acessíveis

Você teria coragem de subir um morro numa favela do Rio de Janeiro em vielas íngremes, nem sempre limpas e iluminadas, sem asfalto e bem apertadas, carregando malas para se hospedar numa pousada? Se achou esta experiência como inacessível, fique sabendo que muitos turistas estrangeiros que visitam a ‘capital maravilhosa’ já vivenciaram esta experiência e chegam a desenbolsar até 20 salários mínimos em pacotes, incluindo passeios, para vivenciar novas experiências. Pousadas em favelas cariocas são uma evolução de passeios turísticos que começaram na Rocinha nos anos 1990, chegaram a outras favelas e continuam fazendo sucesso.
Ao contrário de hotéis da orla marítima carioca que oferecem muito conforto e mimos, as pousadas nos morros e nas favelas oferecem pacotes no mínimo inusitados: pouco conforto em troca da chance de experimentar a vida na comunidade e encontrar paisagens panorâmicas vistas de um outro ângulo, de onde muita gente do asfalto não quer conhecer. A mistura da pobreza com ginga, malandragem e simpatia fazem um conjunto perfeito que os ‘gringos’ de diversas nacionalidades querem conhecer e fazem qualquer sacrifício.
De olho nestas oportunidades, muitos moradores de morros cariocas resolveram apostar neste nicho de mercado e alguns roteiros já são visitas obrigatórias dos turistas estrangeiros no Rio de Janeiro como um tour na favela da Rocinha, a feijoada com samba na Mangueira e a visita panorâmica por um elevador no Dona Marta. Mas se neste pacote tiver a hospedagem completa a procura é maior o que motiva a moradores a lutarem para melhorarem a estrutura local para receber melhor os turistas e com o sucesso, a oferta de pousadas está crescendo cada dia mais.

Labirinto pioneiro
A deslumbrante vista da Baía de Guanabara, com o Pão de Açúcar, foi o cenário que seduziu o jornalista e artista plástico inglês Bob Nadkarni a escolher a favela Tavares Bastos, no Catete, zona Sul do Rio de Janeiro como endereço há 30 anos atrás. Ele resolveu instalar em 1982 um atelier e anos mais tarde resolveu ousar e abriu a galeria de arte The Maze, onde exibia suas grandes telas, muitas delas agora decorando as paredes da pousada. No mesmo local passou a dividir e morar com sua família e com a frequente visitas de amigos do exterior Bob ampliou o número de quartos e criou a The Maze (labirinto em inglês). O objetivo era ter uma fonte de renda sustentável tendo em vista a recém chegada aposentadoria de correspondente da BBC de Londres. “A Pousada Maze tem 12 quartos, mas alguns para minha família e alguns mais para cooperadores de projetos sociais, tanto de fora como na comunidade. No momento temos sete quartos disponíveis para hóspedes. Os elos criados com as pessoas da comunidade criam laços com os hóspedes. Os eventos artísticos e a arquitetura “mais carioca que carioca” também. O longo café da manha e as noites de música são terra fértil para amizades além de temporários”, assegura Nadkarni.
Segundo ele, o seu hóspede mais jovem tinha 16 anos e o mais velho 82 e a maioria são profisionais, muitos do meio artístico. “Temos visitantes da toda Europa e todas as Américas, da Austrália e Nova Zelandia, do Oriente e do Oriente Médio, Rússia…. até mesmo da Mongólia. Entre eles estavam cineastas, fotógrafos, estrelas de cinema, médicos, advogados, políticos, economistas e muitos escritores, o que nos motivou a criar o quarto do escritor. Nossos hóspedes são habituais e voltam desde 2005, pois o perfil aqui é estimulante, e, eu, como ex correspondente da BBC de Londres, com aprendizagem e experiência mundial na colheta do mundo de documentários, faço um feliz e fácil alvo de comunicação para todos. Temos um livro de comentários de visitantes com nomes como Alan Parker, Adrian Lyne e Michael Radford (diretores de cinema), Edward Norton, Bill Pullman, Charlotte Rampling, Irène Jacob, Michael Kranz (atores de cinema). Tivemos um ex diretor do Banco Internacional de Desenvolvimento com 69 anos que ficou hospedado três semanas, assim como um diretor da VW Alemanha que não só ficou três vezes aqui, mas cada vez comprou um quadro Nadkarni”, revela.

Quem vê a The Maze por fora não imagina o casarão que se esconde por trás da discreta fachada, onde a arquitetura é fragmentada, com diversos níveis de piso, paredes angulosas e decoradas com arcos em forma de Pão de Açúcar. As suítes, simples e charmosas, possuem terraço debruçado sobre a vista e alguns dos diferencias da pousada são uma minipiscina e uma sala de cerca de 100 m². Esta possui decoração rústica e paredes chapiscadas de cimento, cobertas pelos monumentais quadros figurativos e abstratos de Nadkarni em que ele promove eventos como Live Jazz, Live Rock, teatro, entre outros. O valor da diária na pousada The Maze varia em razão do período de alta temporada que é compreendido nos meses dezembro, janeiro, fevereiro, março, abril, julho e agosto. “Temos um dormitório, vários quartos standard e dois quartos com varanda. Um solterio pode se hospedar uma noite no Maze pagando de R$ 45 até R$ 150. Casais podem se hospedar pagando de R$ 90 até R$180. Todos as diarias incluem um café da manha bem reforçado e os hóspedes não pagam entrada nos eventos Maze que realizamos  como o Live Jazz, Live Rock, teatro, entre outros”, lembra Nadkarni.

Preconceito com relação a segurança
O sucesso da The Maze motivou moradores de outras comunidades cariocas a instalarem pousadas, como o alemão Holger Zimmermann, que junto com a ex-mulher Andréia Martins, resolveram criar a Pousada Favelinha, na comunidade Pereira da Silva, em Santa Teresa, no Centro da cidade, também conhecida como Morro do Pereirão. “A Pereira da Silva era uma favela pequena que ja havia sido pacificada em 1999, e nunca tivemos problemas com segurança, mesmo que estávamos até recentemente numa área de muitas outras favelas grandes. A decisão de montar uma pousada numa favela aconteceu em 2004 porque queriamos fazer uma coisa diferente. Sim, pensamos também no começo em uma pousada na praia em qualquer lugar do Brasil, mas ao ficarmos uma vez de férias com parentes e amigos nesta favela, logo evoluimos uma nova ideia, que até agora deu certo”, explica Zimmermann.

Segundo ele, os europeus e norte-americanos são seus principais hóspedes, mas argentinos e japoneses também já descobriram esta experiência. Logo que chegam passam a acreditar que é seguro morar no local, sendo muito comum se hospedarem e depois retornarem várias outras vezes, mas os brasileiros raramente se hospedam, a não ser brasileiros que já viveram no exterior. “É uma pena não receber hóspedes brasileiros e não acreditamos que isto mude tão cedo, por isto estamos focando nossa promoção agora somente no exterior. Na minha opinião o que afugenta os hóspedes brasileiros é somente o preconceito que os turistas estrangeiros não possuem. Claro que os caminhos na favela não estão sempre bem iluminados e nem sempre limpos, mas isso também faz um charme, e nunca é sujo aqui, pois sempre tem garis da Prefeitura limpando. Os próprios moradores até tem razão para queixar às vezes, quando falta água, ou quando é difícil os mercados entregarem compras nas casas em razão das ruas esburacadas, mas nossos hóspedes não percebem isso”, acredita Zimmermann.

O valor da diária na pousada Favelinha é de R$ 90 por quarto, com banho particular, varanda e incluindo café da manhã e ainda a disponibilidade de internet banda larga de uso público. São oferecidos aos hóspedes um folheto com bastante dados em inglês que mostra como chegar a qualquer ponto no Rio de Janeiro, indicações de restaurantes, transporte público, entre outros. A Pousada Favelinha possui seis quartos duplos e um quarto de mochileiro com seis camas e todos os quartos possuem varandas com uma vista maravilhosa e redes para desfrutar a paisagem e relaxar. “Como diferencial oferecemos um bom café de manhã, uma laje de mais de 100 m² com cadeiras de praia para os hóspedes relaxarem e curtirem a vista maravilhosa. Nos quartos não existe aparelhos de ar condicionado, pois o ar na altura do morro é muito mais fresco até mesmo no verão. Nos quartos também não existem televisores fazendo com que os hóspedes possam assistirem TV ou DVD em duas salas e se confraternizarem”, conclui Zimmermann.

Fachada da Pousada Favelinha no Morro do Pereirão
Fachada da Pousada Favelinha no Morro do Pereirão

A melhor vista do Rio de Janeiro
Outra pousada bastante conhecida e procurada pelos turistas estrangeiros que visitam o Rio de Janeiro é a Cantagalo, que fica na favela de mesmo nome. O sonho de montar esta pousada foi da ex-modelo e dançarina Ligia Mattos depois de uma viagem a Grécia em 1987, onde ela viu várias cidades turísticas encravadas nas montanhas, com várias pousadas e restaurantes. Após ter montado a pousada, Lígia teve que desistir dois meses depois em razão da insegurança do local, pois ela tinha receio de expor seus hóspedes a tiroteios e alvos de balas perdidas. Nesta segunda tentativa que está fazendo, Lígia se diz satisfeita porque o morro do Cantagalo está bem seguro agora e tem recebido jovens hóspedes, na maioria jovens vindos da Europa, que ficam deslumbrados com a vista, pois o morro está situado entre as praias do Leblon e Copacabana. “A insegurança ainda vai existir por um tempo até as pessoas tomaren confiança, isto é natural, mas este problema está muito mais presente em nós brasileiros que nos estrangeiros. Estes sobem o morro sem nenhum problema e ao sentarem às mesas na varanda, se encantam com a vista da praia de Copacabana que é melhor de que qualquer hotel de luxo da orla”, garante Lígia.
A casa que funciona como pousada começou a ser construído em 2002 e terminada no início de 2007, possui sete quartos e um terraço com uma área ao ar livre onde se pode dislumbrar a vista maravilhosa do mar de  Copacabana e Ipanema. O valor da diária Lígia não revela, pois segunda ela, varia muito da época e se o período é alta ou baixa temporada, mas garante que são bem acessíveis e já possui muitos hóspedes fidelizados. “O nosso diferencial está na localização privilegiada e na experiência de nossos hóspedes estarem numa favela participando do convívio das pessoas e vendo de perto que aqui a grande maioria são pessoas de bem que lutão  com dignidade para um futuro melhor”, conclui Ligia.
Já o surfista austríaco Mathias Lamprecht oferece acomodações simples num casarão que ocupa no pé do Morro da Babilônia, na zona Sul carioca. Ao contrário de muitas pousadas na favela, nesta é possível chegar de carro até a porta, mas o local ainda não foi completamente pacificado e ainda existe muito tiroteio em pontos de drogas, mas para quem se arrisca, a recompensa é uma vista maravilhosa da praia e do Farol do Leme. A pousada de dez quartos pratica diárias em torno de R$ 90, mas não oferece nada além de quarto e banheiro.
Com as oportunidades que serão criadas pela Copa do Mundo de futebol de 2014 e pelas Olimpíadas de 2016, a tendência é que várias outras pousadas comecem a ser construídas em morros e favelas do Rio de Janeiro, como no Vidigal. Neste local, o empresário do ramo de investimentos alemão Rolf-Rüdiger Glaser, adquiriu 17 casas para demolir e erguer um complexo turístico de luxo, com hotel, restaurante, lanchonete, lojas de artesanato local e até mesmo cursos profissionalizantes . A vista panorâmica contempla a praia, a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Cristo Redentor, a Baía de Guanabara e até Niterói.

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