Podemos ter 30 milhões de turistas em 2030?


Artigo de Marcos Gouvêa de Souza*
Muito ambicioso. Nos últimos anos, com Copa, Olimpíadas e tudo mais, o total de turistas recebidos por ano no Brasil no período tem oscilado em torno de 6,6 milhões, com leve aumento em 2018, e dos quais, 61% da América do Sul. Mas sempre é preciso lembrar que esse número é apenas um pouco maior do que a Argentina recebe e muito inferior aos 84,5 milhões da França, aos 68,2 da Espanha, ou os 77,5 dos Estados Unidos, os maiores destinos do mundo. O México recebe 32,1 milhões, beneficiado pela proximidade com Estados Unidos mas a Rússia recebeu 31,3 milhões. A Malásia, para falarmos de outra geografia, recebe 25,7 milhões de turistas.


A explicação clássica é que estamos fora do eixo geográfico dos fluxos turísticos mais intensos que envolvem o hemisfério norte do mundo. Melhor seria dizer que estávamos fora do eixo global.
O fluxo turístico mundial nos próximos terá profundas mudanças com o deslocamento econômico global envolvendo a Ásia e outras economias emergentes. Só de chineses serão 150 milhões por ano visitando pontos de interesse global. E a classe média e rica da Índia já conta com mais de 350 milhões de pessoas que, gradativamente, também começarão a viajar mais.
Num primeiro momento claramente visitarão os destinos turísticos mais tradicionais mas, de forma gradativa, irão diversificar seus destinos em busca do novo, do inusitado, do único e do que possa despertar diferentes interesses.
Relevante considerar que existe uma clara correlação entre amadurecimento de uma população em termos de hábitos e consumo e o deslocamento de seus dispêndios da aquisição de bens para a aquisição de mais serviços, entre eles, educação, lazer, saúde, entretenimento e viagens. É uma constatação econômica advinda da análise do PIB de diferentes países, desenvolvidos e emergentes.
E quando falamos de turismo temos que considerar todas as suas modalidades que envolvem, entre outras, o religioso, de esportes, de medicina, de negócios, de eventos, de saúde, lazer, entretenimento, sustentabilidade, aventura, cultural e muitos outros.
É frustrante, para dizer o mínimo, que um país com as dimensões e atrativos que o Brasil tem, apontado como o de maior potencial em recursos naturais no mundo, segundo o estudo The Travel & Tourism Competitiveness, e sendo uma das dez maiores economias globais, esteja apenas no 27º lugar no ranking de destinos turísticos no mundo.
Como em muitas outras situações, não é uma questão de falta de recursos, mas de aplicação de recursos e foco. Tem tudo a ver com competência, planejamento e excelência na execução.
Já foram feitos inúmeros projetos, pesquisas, campanhas e consultorias e continuamos patinando nos mesmos patamares. Enquanto isso somos cada vez mais a viajar e gastar mais no exterior, na contramão do que deveria acontecer.
A começar pelo fato de que o Ministério do Turismo tem sido nos últimos vários anos moeda de troca nas composições políticas e não administrado com a ambição de uma transformação radical nessa área. Nada deveria justificar que não estivesse integrado em todo o esforço econômico de geração de receitas para o país, e como tal, ligado também ao Ministério da Economia.
É verdade que nossa infraestrutura ainda é deficitária, que os portos e aeroportos deixam muito a desejar, que o número de hotéis ligados às grandes redes internacionais seja em número insuficiente, que o turismo receptivo seja pouco desenvolvido e que muito haja ainda por melhorar em todas essas e muitas outras frentes. Daí a importância da visão, do projeto e do planejamento.
Temos um conjunto de elementos naturais impressionante, dos mais privilegiados do Mundo quando, cada vez mais, a Natureza e a Sustentabilidade são valorizados. Temos música, cultura, arte, tradições, esporte, medicina, moda e vida social intensa nas grandes cidades e espalhados pelo país com atrações permanentes que inspiram o mundo. E até câmbio favorável para muitos serviços.
O que nos falta é orquestrar tudo isso para alavancar o fluxo turístico de forma consistente para além da liberação de visto para viajantes de alguns países. Ajuda mas é muito pouco.
É preciso pensar grande e de forma ambiciosa com a visão de buscarmos alcançar 30 milhões de turistas até 2030. Rússia e México poderiam ser a referência quantitativa. Mas como tudo que é relevante no mundo atual, não deveria ser um esforço isolado de quem quer que seja.


Deveria integrar numa inusitada coalizão o próprio governo federal, governos estaduais, cidades, agências e operadoras de viagens, companhias aéreas e de navios, além de empresas e bandeiras de cartões de crédito, seguradoras, locadoras e muitos mais.
Os custos atuais de pesquisas, campanhas e ações de comunicação e promocionais, com o uso mais racional das mídias digitais, podem tornar possível uma ambiciosa e segmentada transformação na área de turismo deixando o País de ser exportador de divisas para criar uma balança comercial positiva e relevante.
Simplesmente projetando os patamares atuais de dispêndio em torno de US$ 3 mil por viagem e estada de 15 dias médios, poderia significar um aumento dos atuais US$ 20 bilhões para US$ 90 bilhões de receitas.
Os 30 milhões de turistas em 2030 podem não ser apenas um sonho. Mais do que uma questão de ambição, é uma questão de visão e capacidade de realização.
*Marcos Gouvêa de Souza é um dos maiores conhecedores e especialistas em varejo do País. Mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, SP, foi professor da própria FGV e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Tem graduação, pós-graduação e mestrado na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, e graduação na Escola Superior de Propaganda e Marketing. É fundador e diretor geral do Grupo GS&Gouvêa de Souza, uma das maiores empresas de consultoria em varejo e consumo do país. Membro do conselho do Grupo Ebeltoft, aliança global de consultorias em varejo presente em 26 países. Fundador e membro do conselho do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo) e também membro-fundador do conselho do IFB (Instituto Foodservice Brasil). Presidente do LIDE Comércio e membro do FIRAE (Forum for International Retail Association Executives). Autor e co-autor de vários livros de gestão, consultoria global de negócios, varejo e distribuição, além de mais de 800 artigos em publicações nacionais e internacionais. Foi executivo, durante dezoito anos, de empresas nacionais e internacionais de varejo, como o Grupo Fenícia, Lojas Arapuã, Sears e Dillard’s. Em 1988 recebeu o Prêmio Caboré como Profissional de Marketing, eleito através de pesquisa realizada pela revista Meio & Mensagem.