Os políticos necessitam assumir o compromisso com o turismo
Se o povo gaúcho é conhecido por ser forte e guerreiro, chegou o momento de seus políticos mostrarem que merecem ser seus líderes
Artigo de José Ernesto Marino Neto* – Quem viaja para a Serra Gaúcha encontra um dos três maiores destinos turísticos do Brasil. por Canela e Gramado estão firmemente comprometidos com o turismo. Cerca de 80% de seu PIB é gerado por hotéis, restaurantes, parques temáticos e atrações das mais diversas. O povo se orgulha de saber receber, acolher e servir. E isso é fator determinante para que há mais de 20 anos haja crescimento econômico permanente. É um lugar de prosperidade plena como uma profecia autorrealizável. Percepção generalizada é de um lugar que cresce e que vai continuar crescendo. Então investem e o crescimento continua… há mais de duas décadas e que deve continuar.
Até pouco tempo quem vinha de outros estados e se dirigia à Serra Gaúcha descia no Aeroporto Internacional Salgado Filho, localizado em Porto Alegre. Deslocava-se por terra até Gramado, Canela, Nova Petrópolis, Bento Gonçalves ou São Francisco de Paula, tornando as locadoras de automóveis e companhias operadoras de transfers, fiéis cúmplices do bem-estar dos visitantes.
Ocorre que em maio passado houve uma enchente sem igual que submergiu cidades do Rio Grande do Sul, afetando 90% do estado, e que causou mais de uma centena de mortes. O aeroporto ficou inoperável e inativo prejudicando inúmeras atividades econômicas e, sobremaneira, o turismo. Os agentes do mercado e as autoridades constituídas foram obrigados a encontrar alternativas. O aeroporto de Caxias do Sul foi o primeiro a ser pensado como apoio. A base aérea de Canoas foi convertida em pista de pousos e decolagens para a aviação civil e aeroportos secundários, como de Jaguaruna (SC), passaram a ser utilizados.
A importância do destino
Foi nesse momento que o mercado parou de olhar para o próprio umbigo e voltou-se à necessidade coletiva. Foi nesse momento que perceberam que a Serra Gaúcha, com a importância que tem como destino turístico, não tem um aeroporto regional. Foi nesse momento que perceberam que o estado é refém de um único aeroporto internacional. Foi nesse momento que perceberam que o parque aeroportuário gaúcho é pequeno; e pior, sem os cuidados que deveriam ter com ele.
Ainda que empresários do setor de turismo tivessem estudado o aeródromo de Canela visando transformá-lo em aeroporto regional, durante o ano de 2023, ninguém lhes deu atenção. Ainda que o aeroporto de Caxias do Sul apresentasse, há mais de década, taxa de cancelamentos de voos de 30% por ausência de infraestrutura adequada, nunca ninguém se mexeu para eliminar esse problema.
Gargalos aeroportuários
Mas com a trágica enchente o povo clamou e alguns políticos endereçaram parcas e insuficientes emendas parlamentares para o parque aeroportuário gaúcho, notadamente o de Caxias do Sul. Empresários voltaram a se mover e foram atrás de companhias aéreas prejudicadas pelo fechamento do aeroporto em Porto Alegre para mostrar o enorme volume de passageiros que lá pousavam e decolavam para se dirigirem à Serra Gaúcha, estimado em 2 milhões/ano.
E graças a esse movimento, já com estudo pronto para a conversão do aeródromo de Canela em aeroporto regional e com interesse de duas das três maiores companhias aéreas do país, um operador aeroportuário se interessou e o progresso está a caminho de Canela. E Caxias do Sul? Se o leitor ainda não conhece esse aeroporto, nada perde. Com instalações cujo conforto e qualidade são inferiores a de qualquer rodoviária de médio porte do Sudeste, com infraestrutura antiga e com gestão da pior qualidade, ao invés de ajudar o turismo, mostrou-se como um verdadeiro entrave.
Um aeroporto que já é utilizado por grandes companhias aéreas com jatos e que poderia ser um grande fator de crescimento da Serra Gaúcha, ainda é operado pelo Município. Aeroporto é um ativo extremamente relevante para a economia e com especialização tão grande que não faz sentido ser operado por um município. Compromisso com o turismo não pode ser apenas promessa de campanha política e de discursos para buscar verbas federais. Compromisso com o turismo é, antes de tudo, compromisso com o povo. E infraestrutura é o mínimo que o povo merece. Povo da Serra Gaúcha que está comprometido com o turismo e que dele respira e vive.
Refém de um único aeroporto
Nós estamos no século XXI, no ano de 2024. O planeta está com mais de US$ 15 trilhões de liquidez. Não faltam investidores para colocar dinheiro em negócios com demanda comprovada. Não faltam bons operadores de aeroportos com interesse em crescer. O Rio Grande do Sul não pode continuar refém de um único aeroporto internacional e o povo da Serra Gaúcha merece que o aeroporto de Caxias do Sul seja entregue nas mãos de profissionais que saberão ampliá-lo e operá-lo como a indústria do turismo merece. Se o povo gaúcho é conhecido por ser forte e guerreiro, chegou o momento de seus políticos mostrarem que merecem ser seus líderes.
*José Ernesto Marino Neto, Ph.D, é empresário do setor turístico, professor de investimentos hoteleiros da Universidade de Paris, bacharel em Direito pela USP, especializado em administração de negócios de turismo pela USP, mestre em administração e doutor em administração de negócios pela Florida University e sócio fundador do Kempinski Laje de Pedra.