EntrevistaEspecial

Hotelaria de Belo Horizonte em alerta

Tema recorrente entre muitas conversas de investidores, a crise na hotelaria mineira vem ganhando cada vez mais enfoque. Por conta da Lei de nº 9.952, a qual incentivava a construção de novas unidades habitacionais em virtude da Copa do Mundo Fifa 2014, muitas construtoras visaram apenas o lucro e acabaram prejudicando muitos investidores. Por dentro deste cenário está Kênio Pereira, Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB – MG, que afirma que não houve cuidado na elaboração desta lei e que o número de projetos de novos hotéis lançados foi muito maior do que deveria ter sido. Segundo ele, a lei que tinha como intenção não só estruturar a hotelaria mineira, mas também proporcionar melhorias na rede de saúde, foi lançada e acabou prejudicando o atual cenário da hotelaria de Belo Horizonte, que encerrou o ano de 2014 com 40% de ocupação e que, segundo Kênio, deverá cair ainda mais, pois muitos hotéis que deveriam ter entrado em operação em março de 2014 e estão com obras em atraso.
Confira mais detalhes sobre o atual cenário da hotelaria mineira nesta entrevista exclusiva com o advogado Kênio Pereira.

Revista Hotéis — A hotelaria de Belo Horizonte vive um momento de grandes incertezas com a taxa de ocupação em queda vertiginosa atribuída à Lei nº 9.952 que a prefeitura sancionou em 2010. O que esta Lei buscou exatamente contemplar?

Kênio Pereira — O artigo 1º da Lei nº 9.952/10 de Belo Horizonte estabelece que seu objetivo foi criar  uma “Operação Urbana de Estímulo ao Desenvolvimento da Infraestrutura de Saúde, de Turismo Cultural e de Negócios no Município”  tinha como focos: criar condições para que Belo Horizonte cumprisse os compromissos assumidos como cidade-sede da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014; aprimorar a Rede de saúde e desenvolver o turismo cultural e de negócios, que consequentemente deveria resultar no incremento da geração de empregos e renda.  Além de estimular o setor de hotelaria ao possibilitar que terrenos que tinham o Coeficiente de Aproveitamento limitado a 1.0 pudessem construir até 5 vezes a área do terreno, ou seja, o aumento de 400% (nos casos do terreno ter CA 1.0, pois há terrenos que tinha o CA maior) do potencial de construção sem que fosse exigido do proprietário/construtora qualquer pagamento para o município, esse benefício foi também estendido aos estabelecimentos culturais (teatros, cinemas, auditórios, bibliotecas, museus, centros de convenções e feiras)  e hospitalares. Diante do resultado desastroso que estamos presenciando, com dezenas de empreendimentos com as obras atrasadas, onde se destaca  Site Savassi (Ibis Budget BH Savassi  e  Novotel BH Savassi) da Construtora Paranasa/Maio que está andando a “passos de tartaruga” e que provavelmente custará a ficar pronto em 2016, fatos esses que têm gerado enorme prejuízo para centenas de adquirentes, vemos que fica evidente que não houve estudo profundo na elaboração da lei, a qual é complexa, pois gerou uma super oferta de hotéis num curto espaço de tempo.

Revista Hotéis — No seu ponto de vista não houve o cuidado na elaboração da Lei e então houve improvisos?

Kênio Pereira — O improviso e o amadorismo é encontrado a todo momento, em todos os setores no Brasil, tanto é verdade que centenas de investidores, com a ilusão de se tornarem “donos de um hotel”, foram levados pela vaidade e ignoraram que é necessário refletir e entender como funciona os negócios imobiliários, os quais envolvem quantias financeiras expressivas. Se houvesse o devido cuidado em elaborar uma lei com primor, certamente esta teria limitado o número de empreendimentos e de novos quartos a serem aprovados, pois assim não haveria tanta euforia dos construtores em se esforçarem em lançar tantos hotéis para faturar mais.  Faltou prever o lógico, ou seja, que o fato da venda de unidades hoteleiras ser mais fácil e rentável, quase ninguém investiria em teatros, cinemas, museus, auditórios, centro de convenções ou hospitais. A falta de visão empresarial e a ausência de profissionalismo na elaboração da lei foi evidenciada com o resultado que estamos vendo, com milhares de compradores fadados a terem prejuízos expressivos porque acreditaram na capacidade técnica dos construtores.

A falta de análise prévia gerou uma situação que permitiu aventuras no lançamento dos hotéis, sendo que mesmo que ocorra a conclusão das obras em atraso, haverá ainda o enorme transtorno das multas milionárias que a Prefeitura de BH está cobrando das construtoras, pois deveria ter colocado os hotéis em funcionamento até março de 2014, para fazerem jus aos benefícios do aumento do coeficiente de construção que foi ampliado para 5.0 vezes a área do terreno.

Revista Hotéis — Uma das maiores discussões dos hoteleiros foi que faltaram critérios para limitar o número de empreendimentos e 83 deram entrada com projetos na Prefeitura. Na sua opinião, esta foi a brecha na lei que beneficiou o número excessivo de novos hotéis?

Kênio Pereira — Sim, a lei deu margem para que alguns construtores afoitos para obter lucro lançassem hotéis sem que tivessem condições de concluí-los a tempo. Afirmo isso com tranquilidade, pois dos 83 projetos aprovados, vemos que dezenas de construtores agiram de forma prudente e em respeito aos consumidores/investidores, recuaram e engavetaram os projetos, pois por serem responsáveis, perceberam que não teriam como terminar os hotéis até março de 2014. Evitaram assim problemas e prejuízos para os possíveis adquirentes, já outros não se preocuparam com isso e arriscaram. Agora, vemos os compradores desorientados, sendo que o sensato seria eles já terem exigido em juízo a devolução de tudo que pagaram, acrescido da multa rescisória, pois assim reduziriam seu prejuízo. Muitos compradores, por serem ingênuos continuam a pagar as prestações com a obra parada ou em estado de “enrolação com poucos operários para enganar” e assim aumentarão seus prejuízos, pois no futuro serão “chamados” a pagar mais milhões de reais para concluir o que está super atrasado. E como não bastassem, acabarão correndo o risco de terem prejuízos com as multas milionárias que a Prefeitura está cobrando, pois muitos construtores já retiraram dos seus nomes todos os bens para frustrarem a cobrança judicial dos prejuízos que eles causaram. A falta de profissionalismo no setor, em especial dos compradores que acreditam em tudo que é prometido tem resultado em lucros para alguns empresários habilidosos e prejuízos para os investidores que dispensam consultoria jurídica de quem domina a matéria.

Revista Hotéis — Você acredita que houve abusos por parte de incorporadoras / construtoras de lançamento de novos hotéis ou alguma omissão por parte do executivo municipal em aprovar e fiscalizar as obras de tantos projetos?

Kênio Pereira — Sim, como certeza, caberia ao Poder Público Municipal limitar o número de hotéis e quartos para evitar o excesso de oferta e até o agravamento da falta de mão de obra no setor de construção, o qual já estava muito aquecido. Logicamente, os construtores já sabiam disso e não podem alegar a falta de mão de obra ou de materiais como desculpa para justificar os atrasos. Basta vermos que muitas construtoras, mesmo tendo gasto valores expressivos na aprovação de projetos, suspenderam os lançamentos antes, para evitarem danos. Agora, quem arriscou, com desejo ganhar muito lucro, deve arcar com as consequências, não sendo aceitável que o construtor que domina a matéria venha agora se recusar a arcar com os prejuízos que ele causou. Por uma questão de honestidade e lealdade vemos que alguns construtores, ao verem que não tinham como viabilizar o projeto a tempo, devolveram os valores que receberam aos compradores, mas por outro lado, há casos de construtor agindo de forma que poderá vir a ser enquadrado nos ilícitos penais previstos na Lei 4.591/64, bem como no crime de estelionato previsto no artigo 171 do Código Penal. Cabe ao comprador agir e buscar uma assessoria jurídica que seja apta a realmente buscar seus direitos, pois a atitude amadora nesses casos só agrava a situação do comprador e beneficia os infratores e devedores.

Revista Hotéis — No seu ponto de vista, as administradoras hoteleiras tiveram alguma parcela de culpa e podem de alguma forma serem responsabilizadas? Conhece ações neste sentido?

Kênio Pereira — Essa questão é bastante complexa, pois o correto seria qualquer comprador/investidor, antes de assinar o contrato levá-lo para seu advogado especializado para que o analisasse, de forma a reequilibrá-lo, pois é notório que todo contrato de construtora é redigido de maneira a proteger somente seus interesses. Quem tem experiência no mercado imobiliário nunca assina um contrato sem que seu advogado insira nele as cláusulas que visam proteger o adquirente, pois assim os riscos seriam reduzidos e a transação se tornaria mais segura para os compradores em geral. Se para o comprador a bandeira xy era essencial ou foi fator que determinou o fechamento do negócio, ao colocar essa condição no contrato de compra e venda que foi assinado por todos os envolvidos, logicamente, caso ocorra o rompimento da bandeira com a incorporadora/construção, poderá vir a bandeira a responder solidariamente pelos danos causados ao adquirente em decorrência da quebra da expectativa de bons rendimentos que seriam proporcionados pela bandeira de renome, que foi substituída por outra de menor expressão.

Revista Hotéis —   Existem algumas ações na justiça de incorporadoras / construtoras contestando a multa que a Prefeitura quer aplicar pelo atraso na entrega dos hotéis que deveriam ter ficado prontos antes da Copa do Mundo de 2014. Estas ações procedem? Como seria os valores das multas aplicadas?

Kênio Pereira — Com certeza as ações de cobrança das multas, que em alguns casos, giram em torno de R$100 milhões decorrem de um descumprimento da lei por parte das construtoras que tinham o dever de entregar os hotéis funcionando até março de 2014. A Prefeitura tem o direito de cobrar, mas a questão é extremamente complexa, cabendo aos compradores se unirem para analisar e acompanhar de perto esses processos judiciais, pois diante do fato de ter construtor retirando todo o patrimônio do seu nome, poderá ocorrer um grave problema se o verdadeiro responsável não tiver com o que pagar. O costume dos compradores agirem sem uma orientação que tenham domínio do assunto tem gerado a situações de difícil solução, que poderiam ser evitados se eles compreendessem como funcionam os diversos dispositivos legais que são aplicados a essas transações complicadas.

Revista Hotéis — Se fala agora em uma lei de anistia ou de prorrogar ainda mais o prazo de entrega de hotéis que estão atrasados. Como você analisa esta questão?

Kênio Pereira — A questão é muito ampla e complexa, pois envolve diversas partes e somente fazendo um estudo de cada caso concreto poderei opinar com propriedade. Diante de prejuízos de dezenas de milhões de reais, vemos que cada um dará a sua justificativa, e ao final, será o consumidor/investidor o maior prejudicado, como sempre, pois esse continua a comprar unidades na planta de forma displicente, pois ignorar os diversos dispositivos legais e procedimentos que deveria tomar para reduzir os riscos. Basta vermos que mais de 80% das incorporações são conduzidas sem que os adquirentes formem a Comissão de Representantes, a qual é obrigatória em qualquer tipo de venda na planta, seja a preço fechado ou por administração/preço de custo. Se as Comissões de Representantes, formadas por três compradores, fossem devidamente assessoradas por especialistas (advogado, engenheiro perito e contador) mais de 70% dos problemas que vemos no mercado não existiriam, pois é a falta de fiscalização que permite abusos como vemos com o desvio dos recursos da obra para outros negócios e os longos atrasos, que têm superado mais de dois anos após a data prometida para a conclusão da obra.

Revista Hotéis —  Quem adquiriu as unidades habitacionais estava ciente de que havia um risco por trás deste investimento ou você acredita que não foram alertados a este respeito? Os investidores podem amargar prejuízos ou acredita que num curto espaço de tempo terão retorno do capital investido?

Kênio Pereira — É incrível que após a falência da Construtora Encol, na década de 90, que lesou mais de 42.000 famílias e de várias outras empresas que continuam a não entregar as obras vendidas na planta, o brasileiro continue a comprar unidade na planta sem qualquer cuidado. A lei 4.591 existe há 50 anos e fornece todos os elementos e instrumentos para que os compradores atuem efetivamente para evitar atos irregulares do construtor. Mas, o que vemos é todo mundo visando apenas lucro, e mais lucro, sem querer saber de ter trabalho para fiscalizar e ainda com a postura de repudiar a contratação de especialistas para assessoria jurídica prévia. Diante de tanta negligência e de falta de interesse, vemos então construtores agindo como se não existissem leis, como se contratos não valessem nada, e os estouros, desvios e abusos sendo estimulados justamente porque os compradores não querem saber de ter trabalho. Estes, após serem lesados, em sua maioria se limitam a reclamar, mas se sujeitam a continuar a ser lesados, pois acham que a lei e a Justiça não funcionam. E assim, vemos no Brasil o círculo vicioso, onde a compra na planta tem se transformado num fato de sorte, já que os compradores preferem arriscar e contar com a sorte, pois insistem em ignorar os riscos que envolvem a compra de unidades que ainda não existem.

Revista Hotéis — O Prefeito Márcio Lacerda pretende suspender diversos editais de eventos que seriam realizados na capital mineira, e esta era uma das apostas da hotelaria de Belo Horizonte para tentar reverter a queda na taxa de ocupação. Que análise você faz desta situação?

Kênio Pereira — É lamentável, mas diante da falta de caixa da Prefeitura, certamente essa não terá como investir de forma satisfatória para aumentar o fluxo de turistas e de negócios que poderiam vir a amenizar a falta de hóspedes a curto prazo na Capital Mineira. Assim, a expectativa de que haverá um aumento da taxa de ocupação a médio prazo para reduzir os prejuízos dos investidores que compraram unidades hoteleiras, será frustrada. E pior, com a entrada em funcionamento de novos hotéis em BH, a tendência é que a taxa de ocupação que antes era de 70%, e que em 2014 ficou em 40%, caia  mais ainda em 2015 e 2016. É justamente por isso que tenho recebido novos clientes que estão solicitando minha atuação para requerer a rescisão contratual  e a devolução de tudo que pagaram corrigido, acrescido da multa que a construtora deve pagar por ter descumprido o contrato. Em alguns casos, consegui junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que fossem bloqueados os bens da construtora de forma a garantir que meu cliente receba tudo que tem direito. Mas certamente, diante da costumeira inércia, percebe-se que voltará a ocorrer situações como a da Encol, em que os compradores que demoraram a agir tiveram o seu prejuízo agravado.

Revista Hotéis — Como você analisa a hotelaria de Belo Horizonte nos próximos anos? Haverá algum legado da atual situação?

Kênio Pereira — O legado será bom para a cidade, pois os novos hotéis melhoraram o padrão de ocupação em Belo Horizonte e assim muitos eventos passaram a ser viabilizados. Antes de 2014, diante de uma hotelaria ultrapassada e com a carência de boas acomodações vários eventos não vinham para BH. Mas o problema é que a Prefeitura e os órgãos do setor de turismo não cumpriram o seu dever de casa, pois se tivessem realizado o que foi idealizado, a situação seria melhor para todos, sendo inaceitável a falta ausência do Centro de Convenções e de outras obras essenciais para que BH se transforme num local mais atraente para o turismo de negócios.

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