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Fernando Martinelli: o timoneiro da Interval no Brasil

O mercado de timeshare está em alta no Brasil, mas não é de hoje que o País está na mira dos investidores desta indústria. Após deixar o País em 2007 em um cenário que considerou desfavorável, a Interval International reviu sua estratégia e retornou ao mercado em 2012 – enxergando então uma grande oportunidade após a sanção da Lei Geral do Turismo.

Direcionou o atendimento dos clientes na Argentina até o ano de 2015, quando transferiu o Call Center para Miami com mais de 1.300 funcionários. Hoje, a Interval conta com 52 empreendimentos no Brasil e tem estrutura específica para a região composta de 11 nativos, que atendem especificamente os clientes brasileiros da plataforma.

Já consolidada nos Estados Unidos, onde é uma das grandes líderes do mercado de timeshare e fractional, a empresa se reestruturou no Brasil e encontrou em Fernando Martinelli, formado em hotelaria e já experiente em consultoria e no mercado internacional, um representante da sua nova missão no País — onde encara hoje concorrência maior.
Confira nesta entrevista exclusiva o histórico desta crescente indústria no Brasil e no mundo e das estratégias da empresa no País.

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Revista Hotéis — Como a Interval está posicionada no mundo?
Fernando Martinelli — A Interval é uma das maiores empresas do mundo com atuação segmento de férias e de tempo e propriedade compartilhada, pois temos cerca de três mil resorts afiliados que venderam algum tipo de titularidade de férias para cerca de dois milhões de famílias ativas associadas aos nossos programas de férias.

Reunimos em nossa rede  grandes players mundiais da hotelaria, como o Hyatt Residence Club e o Vistana Signature Experiences, que é o detentor das marcas Sheraton e Westin para o mercado de tempo compartilhado, além de outras grandes marcas associadas como o Marriot Vacation Club, que é um grupo com mais de 50 propriedades e mais de 400 mil sócios, o Accor Vacation Club, Four Seasons, entre outros, que utilizam nossa plataforma para intercâmbio de férias, assim como nosso know how para o desenvolvimento dos seus programas. Temos buscado fazer isso no Brasil com grandes redes, pois é um mercado importante para a Interval.

Revista Hotéis — Se este mercado é importante, por que a Interval saiu do Brasil em 2007 e ficou longe por cinco anos? No seu ponto de vista não foi uma estratégia equivocada?
Fernando Martinelli  — A Interval em 2007 era subsidiária de outro grupo que também estava listado na bolsa de valores (NASDQ), que se chamava IAC Interactive Corporation. Em 2007, este grupo fez um spin-off, ou seja, vendeu algumas empresas que faziam parte do grupo. Uma delas era a Interval International, que foi pra a NASDAQ como a Interval Leisure Group.

No começo, a sigla era IILG – Interval International Leisure Group, e recentemente a gente mudou o nome do grupo para ILG somente, fica mais fácil de falar e dá uma abrangência mais global para o negócio. E, nessa ocasião, a empresa entendeu que tinha alguns mercados que ainda estavam muito pouco desenvolvidos, principalmente no âmbito de legislação e de jurisprudência, que eram mercados muito difíceis de atuar porque tinham particularidades muito específicas e o Brasil era um desses.

Na década de 80, o modelo que vendia timeshare no Brasil era o escriturado, modelo exatamente igual ao que existe hoje nos Estados Unidos e que é a maioria do mercado norte-americano. Então, naquela ocasião, alguns empreendedores começaram a vender empreendimentos que comercializavam uma semana, escriturada, de um apartamento e cada apartamento desses era vendido para 52 pessoas, visto que o ano tem 52 semanas. para 52 pessoas, visto que o ano tem 52 semanas.

Entretanto, naquela época, a legislação do Brasil, tanto no setor imobiliário quanto no setor turístico, ainda era muito fraca, era muito diferente do que é hoje. Ao longo das décadas de 80 e 90, houve o boom do tempo compartilhado no Brasil mas também teve um impacto muito negativo. Teve muito empreendimento que acabou não sendo construído, muito empreendimento com problema na operação porque vendeu 100% das semanas e depois para administrar era complicado, porque isso virava um condomínio e as legislações não eram tão claras como são hoje. Então tinha muito problema. Se um cliente que tinha comprado uma semana de férias viesse a falecer e tivesse três ou quatro herdeiros, como ficava aquilo? Dividia aquela fração com um monte de herdeiros? Situações assim acabaram criando um monte de problemas em alguns dos empreendimentos.

Um de nossos clientes em Campos do Jordão, é um case interessante no Brasil, porque chegou em um momento em que cada apartamento tinha mais de 100 proprietários e aí o Ministério Público bloqueou a matrícula daquele imóvel por uma série de razões. Era muito difícil lidar com aquilo, era um mercado que ainda tinha muita dificuldade.  Além dessa questão, muitos empreendedores não entregaram os produtos vendidos, muitos condomínios tinham vários problemas, assim como outro aspecto que era a questão da venda. Tudo isso criou um impacto nessa indústria que ficou com o filme um pouco queimado, principalmente pela questão das vendas. Além disso, não tinha uma jurisprudência quanto aos problemas legais dessa indústria.

Vale lembrar que, na década de 90, a gente não tinha Ministério de Turismo, não tinha Lei Geral de Turismo. Em 98, surgiu o Plano Nacional de Desenvolvimento do Turismo, o PNDT, com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas já era o final dos anos 90. A indústria era muito embrionária e era tudo muito adaptado às legislações. Os julgamentos eram todos muito adaptados para um negócio que as pessoas conheciam pouco. Então, em 2007, quando a empresa estava passando por essa transformação nos Estados Unidos e estava sendo vendida, a gente identificou que o Brasil, apesar de ser uma oportunidade muito grande, representava pouco no nosso volume de negócios e, naquela ocasião, entendemos que seria interessante fazer algumas adaptações. Então mudamos a estrutura.

“Hoje, somos o quarto maior grupo do mundo em Vacation Ownership”

Revista Hotéis — Então esta saída da Interval do Brasil pode ser entendida como uma estratégia um pouco equivocada, pois alguns anos depois surgiram as leis e o mercado se reorganizou.
Fernando Martinelli — Alguns anos depois da nossa saída, percebemos que o mercado brasileiro era uma oportunidade muito grande e que as coisas estavam evoluindo. Em 2010 foi sancionada a Lei Geral do Turismo, quando o timeshare passou a ser uma atividade dentro do negócio turístico, que passou a ter uma legislação. Então isso encorajou a Interval a reestruturar o negócio no Brasil, naquela ocasião todo o atendimento dos nossos clientes brasileiros era feito do nosso call center na Argentina.

Ficamos assim até o ano de 2015, quando fizemos uma nova mudança e transferimos a central de atendimento dos clientes brasileiros para Miami, onde a gente tem uma central de call center com mais de 1.300 funcionários. A estrutura específica para o Brasil é composta de 11 nativos brasileiros que atendem especificamente os clientes brasileiros da nossa plataforma.

Revista Hotéis — Como foi sua chegada a Interval em 2012?
Fernando Martinelli — Depois que a empresa saiu do Brasil, em 2007, o grupo começou a crescer e nesse momento começou a adquirir lá fora algumas outras empresas relacionadas ao segmento de tempo e propriedade compartilhada. Até esse momento, era basicamente uma rede de intercâmbio de férias. E a gente identificou que em mercados como o norte-americano e o mexicano, que eram mais desenvolvidos, muitos empreendimentos tinham sido 100% comercializados no modelo de tempo ou de propriedade compartilhada.

Minhas tratativas de reabrir o escritório da Interval no Brasil começou em 2011 com testes para a vaga com vários candidatos. Tinha a meu favor uma experiência em consultoria na BSH International, algumas experiências no setor hoteleiro em grandes redes como Accor, Atlântica e Hilton. Sou hoteleiro de formação pela Anhembi Morumbi e trabalhei na Inglaterra por um bom período. O fato de ter uma especialização em hotelaria na Universidade de Cambridge, na Inglaterra e algumas especializações em universidades de ponta no Brasil e exterior como FGV e Cornell (NY), além de ser fluente no inglês e espanhol também ajudaram na conquista desta vaga e estou muito feliz em fazer parte da família Interval.

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Harus
Revista Hotéis — E como foi esta volta ao Brasil em 2012, já que tiveram que começar do zero e os concorrentes já haviam se solidificado e apareceram outros concorrentes no mercado?
Fernando Martinelli  
— Começamos a fazer um trabalho embrionário ao abrir o escritório no final de 2012. Este foi o momento para a gente mostrar nossa cara no Brasil, mostrar que a gente estava voltando para o mercado local com uma nova filosofia do grupo. Quando a Interval esteve no Brasil no passado, a gente era só uma rede de intercâmbio de férias. Hoje, somos o quarto maior grupo do mundo em Vacation Ownership, que é a nomenclatura desse mercado globalmente.

Entendemos que a empresa que está hoje no Brasil é uma muito mais complexa que apenas uma empresa de intercâmbio de férias. A gente tem diversas empresas que fazem parte do nosso grupo e que ajudam a suportar os nossos negócios aqui.  Quando começamos, tínhamos uma sala de vendas e cerca de 2.500 sócios brasileiros e muitos deles tinham comprado negócios fora do país, mas, por serem daqui, eram atendidos na nossa base local. Hoje, a gente tem cerca de 52 empreendimentos afiliados à rede no Brasil, e a quantidade de sócios mais que quintuplicou nesses últimos quase cinco anos.

Revista Hotéis — Mesmo com números expressivos na volta ao Brasil, estão utilizando a política pé no chão para acelerar o crescimento?
Fernando Martinelli  — Quando retornamos ao Brasil estabelecemos como meta ser um pouco mais cautelosos, até para entender o mercado, e mantendo uma política um pouco mais pé no chão. Então identificamos que precisávamos começar a desenvolver alguns parceiros que tivessem mais escala, pois daria mais credibilidade para o nosso negócio.

Nesse trabalho, a gente desenvolveu parcerias importantes como é o caso da Rede Plaza de hotéis, dona do Plaza Vacation Club, que é um produto de pontos. Hoje, eles estão entrando no segmento de propriedades, começando a vender alguns projetos fracionados também. É uma rede que tem oito empreendimentos nos quais o cliente compra pontos que podem ser usados nestes e nos outros três mil resorts da nossa rede.nestes e nos outros três mil resorts da nossa rede.

Temos também o Mantra Vacation Club, do grupo Mantra, que tem uma propriedade em Conde (PB) e outra em Canela (RS) e que também estão entrando no modelo de fracionado. Temos ainda o IMG, um grupo de Natal (RN) que tem sete empreendimentos que são vendidos no modelo fracionado, mas que o cliente também pode intercambiar entre estes sete empreendimentos ou através da nossa rede de três mil hotéis.

Estamos cientes que esse é um mercado que vai passar por algumas transformações e, assim como no mercado hoteleiro está havendo as grandes fusões de empresas se associando para crescer o seu negócio, este também é um negócio que quanto maior escala você tiver, mais atrativo fica.

“A quantidade de sócios mais que quintuplicou nesses últimos quase cinco anos”

Revista Hotéis — Vender timeshare é algo fácil ou é a famosa venda por impulso?
Fernando Martinelli  — O modelo do timeshare é um modelo de uma venda de experiência. Você cria uma experiência para aquela pessoa, para aquele potencial cliente, e age muito na emoção para fazer com que ele compre aquele produto. Essa é uma característica desse modelo de negócio. Eu já ouvi algumas pessoas dizerem que ninguém acorda de manhã falando que vai comprar um timeshare. Você acorda de manhã falando que você vai comprar um carro, uma calça jeans, um sapato que está precisando. Ninguém acorda falando “hoje eu vou comprar as minhas férias para o resto da vida”; isso não é uma coisa muito comum.

Então é uma venda que precisa ter todo um trabalho pra gerar um impacto no cliente, o momento em que ele está na sua frente é o momento que você tem pra vender, para você criar uma emoção naquele cara, uma experiência diferente pra ele e conseguir fazer o processo de venda.  Um modelo de venda que funciona bem lá nos Estados Unidos ou no México,  não necessariamente funcionava tão bem aqui e isso por uma série de razões, pois o brasileiro tem uma série de particularidades. Ele é um cara desconfiado, nossa herança portuguesa, e gosta de fazer negócio cara a cara, olho no olho.

Revista Hotéis — Como é a venda deste modelo de negócios nos Estados Unidos, por onde tudo começou?
Fernando Martinelli — Nos Estados Unidos, o modelo predominante é o da propriedade compartilhada, escriturada, que é o caso que a gente teve inicialmente aqui no Brasil. Então, lá se vende o apartamento pra 52 proprietários e aquilo vira um grande condomínio. Imagina que lá tem empreendimentos com três mil chaves e isso vezes 52 semanas dá cerca de 150 mil proprietários de um único empreendimento.

Seria necessário um estádio de futebol e mesmo assim ia ficar gente pra fora durante uma reunião de condomínio. Entra aí uma figura chamada HOA, a Homeowners Association. Essa é uma figura associativa, criada dentro desses empreendimentos que, quando o proprietário compra uma semana, automaticamente adere a essa associação e ela fica responsável por contratar empresas que vão fazer a gestão do empreendimento. É a gestão dos serviços como recepção, manutenção e segurança. Em alguns casos, até a locação ou sublocação das semanas quando o cliente não vai usar ou a própria facilitação para o intercâmbio, tudo mais.

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Revista Hotéis — Como é feito nos Estados Unidos a administração das multipropriedades, sendo uma questão que preocupa no Brasil?
Fernando Martinelli — Uma vez criada a figura associativa da HOA, começaram a surgir no mercado norte americano muitas empresas especializadas em administração de multipropriedades. E essas empresas não eram nem empresas hoteleiras e nem empresas de administração condominial. Apesar de ter os serviços de um hotel e a administração de um condomínio, há algumas características próprias como o fato de ter muito mais proprietários do que um prédio convencional e já com todas as semanas praticamente vendidas.

Então, para a empresa hoteleira, também não era tão interessante administrar um negócio que já está 100% vendido. O segredo da hotelaria é conseguir fazer o gerenciamento de receitas, de cobrar mais caro nos período de alta sazonalidade e de cobrar mais barato nos períodos de baixa, conseguindo assim remunerar o negócio. O que remunera grande parte dos hotéis de lazer no mundo são os períodos de alta sazonalidade e este gerenciamento de receita, esse é um ponto importante. Então as empresas hoteleiras não tinham muito interesse nesse negócio porque eram empreendimentos que estavam 100% comercializados.

Revista Hotéis — Foi então que resolveram adquirir empresas especializadas nesse negócio?
Fernando Martinelli  — Entre os anos de 2008 e 2009 identificamos empresas importantes para esse modelo de negócio e resolvemos comprá-las e integrá-las ao Interval Leisure Group. Inicialmente, a gente começou adquirindo uma empresa que chama VRI – Vacation Resorts International.  Em seguida, a gente adquiriu a TPI – Trading Places International.

Em 2010, a gente foi pra Europa e adquiriu uma empresa chamada CLC – Club La Costa, a maior empresa de administração de multipropriedades da Europa e a transformamos em VRI Europe, adquirimos também duas grandes empresas no Havaí, a Aston Hotels & Resorts e a Aqua Hospitality e este processo de aquisições não parou mais. Hoje, o grupo está dividido basicamente em duas grandes unidades de negócio. Uma que é a parte de intercâmbio de férias, na qual a gente tem a Interval International como a principal empresa desse segmento, sendo uma das maiores empresas do mundo em intercâmbio de férias. E temos um outro braço, que é o de gerenciamento de propriedades e de comercialização de produtos de tempo compartilhado onde atuamos com todas as marcas citadas acima e principalmente através das marcas Hyatt, Sheraton e Westin.

“Estamos cientes que esse é um mercado que vai passar por algumas transformações”

Revista Hotéis — A Interval faz venda direta aos clientes? Como funciona o modelo de negócios de vocês?
Fernando Martinelli — O nosso negócio é, no primeiro momento, B2B. A gente vende produtos e serviços para empreendedores. Esses empreendedores vão vender algum tipo de titularidade de férias, seja uma propriedade, seja um direito de uso e, junto a isso, vão integrar os nossos programas para que o cliente que adquiriu a titularidade de algum empreendimento específico possa utilizar essa titularidade em outros destinos, em qualquer parte do mundo, através da nossa rede de intercâmbios.

Nossa relação com o consumidor acontece num segundo momento. Inicialmente, pra um consumidor ingressar na nossa plataforma, é necessário que ele compre um produto de tempo compartilhado ou de propriedade compartilhada de algum empreendedor. Essa é a única forma que ele tem de ingressar na minha plataforma. Obviamente, depois que ele ingressa, eu começo uma relação B2C com ele, que é o que eu faço hoje para o mercado brasileiro através de Miami, com esse call center onde eu tenho 11 brasileiros focados no mercado brasileiro. Entretanto, para que os empreendimentos possam gerar negócios pra gente, é importante o credenciamento desses empreendimentos na minha plataforma. Assim, eu posso vender os nossos produtos e serviços juntos com o serviço do empreendedor.

Revista Hotéis — E como se dá a entrada dos empreendedores junto a Interval?
Fernando Martinelli  — Por ser uma das atuantes empresas do mundo no mercado compartilhado recebemos muitos empreendedores querendo fazer parte do nosso negócio.  Temos clientes no mundo inteiro, isso traz uma referência e segurança para os empreendedores e eles acabam se apoiando muito na gente.

Eu digo sempre que a Interval é um parceiro estratégico nos negócios, ou seja, a gente ajuda empreendedores em 100% do processo para se desenhar produtos de multipropriedades, ajudamos no modelo de produto, estrutura financeira do negócio, na comercialização desses produtos por meio das nossas tecnologias, dos nossos aplicativos e das nossas campanhas de marketing. Oferecemos ainda para os sócios a possibilidade deles viajarem o mundo inteiro através dos nossos programas de intercâmbio de férias. Nossa ajuda aos empresários acontece em todo o processo. Esse é o trabalho principal da Interval.

Revista Hotéis — Como você analisa o mercado brasileiro hoje para o tempo compartilhado?
Fernando Martinelli — Eu vejo o mercado brasileiro de tempo compartilhado muito interessante, pois ele foi regulamentado no Brasil, em 2010, pela Lei Geral do Turismo. Este modelo é de direito de uso de unidade habitacional hoteleira construída e que tenha anuência do proprietário daquela unidade.

Basicamente, o timeshare no Brasil é a venda de diária antecipada que em muitos dos programas é feita em um modelo de pontos, no qual o cliente adquire uma quantidade “x” de pontos e pode usar esses pontos em algum hotel em um prazo de cinco, dez ou quinze anos. E concomitante a isso, ele pode trocar esses pontos, ou seja, essas diárias hoteleiras do empreendimento dele para utilizar em outros empreendimentos da nossa plataforma.

O nosso negócio funciona basicamente como um banco de semanas. Então eu credencio o empreendimento, o empreendimento afilia aquele proprietário em minha plataforma e, uma vez afiliado, ele pode depositar e sacar semanas de férias. É como em um banco onde você deposita e saca dinheiro, no meu você deposita e saca semanas de férias. Eu sou uma plataforma de transação. Se o cara me der uma semana de férias com determinada característica de alta temporada, em um apartamento para quatro pessoas no Nordeste do Brasil, ele vai poder trocar aquela semana de férias por um apartamento parecido em uma temporada parecida em algum desses outros três mil hotéis da minha rede.

“O segredo da hotelaria é conseguir fazer o gerenciamento de receitas”

Revista Hotéis — E o modelo de multipropriedades, como surgiu no Brasil e como você analisa?
Fernando Martinelli  — O mercado brasileiro, até 2010, era basicamente um mercado de timeshare.  Foi quando alguns grupos do Centro-Oeste resolveram começar a vender títulos de propriedade de férias, efetivamente uma escritura imobiliária. Em vez de vender uma única semana, para tornar o produto mais atrativo eles começaram a vender pacotes de quatro semanas. A gente denominou isso, no Brasil, de fractional ou cota imobiliária.

Se a gente for olhar a denominação correta, no mercado norte-americano, a diferença de timeshare pra fractional é que timeshare é uma semana de férias por ano e fractional é mais de uma semana de férias por ano. A grande maioria dos produtos lá são produtos de propriedade, que eles chamam de “deed title”.

Aqui no Brasil, a gente convencionou que timeshare é o que é direito de uso e fractional é o que é direito de propriedade.  Esse modelo do fractional, que a gente está chamando no Brasil de cota imobiliária, ganhou força a partir de 2010 no Centro-Oeste e depois começou a explodir em todos os destinos basicamente no Brasil inteiro. Os principais destinos no Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Norte têm empreendimentos sendo vendidos nesse modelo, ou seja, é um modelo que está presente no País inteiro e tem ganhado muita força.

Revista Hotéis — Quais as vantagens oferecidas por estes modelos para a hotelaria nacional?
Fernando Martinelli  — O timeshare funciona muito bem para empreendimentos que já estão construídos, que é uma forma de venda de diária antecipada e garantia de ocupação futura, que é o segredo de qualquer negócio hoteleiro, fundamental para diminuir o efeito da sazonalidade de um negócio de lazer. Já o modelo fracionado é uma alternativa de financiamento de empreendimentos imobiliários. A Lei da Incorporação Imobiliária no Brasil permite que a gente venda o fractional ou a cota imobiliária com o empreendimento ainda em construção.

Então, a gente incorpora o empreendimento já com algumas características do modelo de multipropriedades e você pode vender aquilo enquanto está em obras. E é uma forma de você fazer um funding do empreendimento.  Vale lembrar que historicamente, a gente teve o desenvolvimento dos hotéis de negócios através do modelo de condo-hotéis e flats, que era a venda de unidades em construção para terceiros, isto é, promessas de compra e venda. E tivemos também o desenvolvimento no mercado de lazer muito pautado em investidores individuais, independentes. Pessoas que tinham o interesse ou o sonho de ter um empreendimento hoteleiro ou que tinham grandes áreas com potencial turístico, em destinos consolidados do Brasil, e que resolveram construir seus próprios hotéis. Nunca tivemos linha de financiamento para hotel, pois elas sempre foram muito pequenas, com curto prazo e juros muito altos.

“O fractional vai causar uma transformação na oferta e no público do Brasil”

Revista Hotéis — Na sua opinião, o fractional será a alavanca da hotelaria no Brasil nos próximos anos?
Fernando Martinelli — Com certeza, principalmente para o mercado de lazer. Eu acho que esse modelo já está possibilitando o País mudar de nível na sua hotelaria de lazer. Se a gente comparar o Brasil com outros destinos internacionais hoje, ainda é um destino caro. Por exemplo: Cancun, México e Caribe são destinos muito mais baratos que o Brasil. Por que?  Porque eles têm grande oferta hoteleira de produtos de lazer. Pela lei da oferta e demanda, quando tem muita oferta, o preço diminui e quando você tem pouca oferta, o preço é mais caro.  Então hoje a gente não consegue ter escala no turismo de lazer aqui, pois os nossos hotéis são pequenos. Se a gente pegar um grande operador internacional, eles têm dificuldade de operar o Brasil. Por que? Porque quando eles chegam em um destino, precisam comprar uma quantidade “x” de semanas no atacado. A gente não tem nenhum hotel com dois, três mil apartamentos que possam vender no atacado. Então tudo isso dificulta o desenvolvimento do turismo no nosso País.

Revista Hotéis — Estes destinos que mencionou, Cancun, México e Caribe, cresceram e se desenvolveram através do multipropriedade. Será possível no Brasil concretizar estes bons exemplos?
Fernando Martinelli  — Estes destinos se desenvolveram no mundo, assim como Las Vegas e Orlando, basicamente por causa do modelo de multipropriedade. Ele permitiu empreendimentos de grande porte serem construídos nesses destinos e obviamente permitiram que esses mercados começassem a trabalhar com escalas elevando o nível dos seus serviços. Então, se formos observar os exemplos que eu dei, Las Vegas, há 60 anos, era um deserto, Cancun era uma duna e Orlando era um pântano. Hoje são três dos principais destinos turísticos do mundo. E lá, grande parte da oferta de empreendimentos dessas regiões, são empreendimentos de multipropriedade.

O conceito de resort, principalmente nos Estados Unidos, está muito mais relacionado a um empreendimento de segunda residência que foi vendido de forma compartilhada do que de um empreendimento hoteleiro. Então eu acho que o fractional, essa cota imobiliária, vai causar uma transformação no mercado brasileiro. Uma transformação na oferta e no público e que vai principalmente criar mais produtos para que a gente se torne mais atrativo, principalmente no mercado internacional.

“O segredo da hotelaria é conseguir fazer o gerenciamento de receitas”

Revista Hotéis — O fractional não é um modelo de negócios que tenha um arcabouço jurídico no Brasil e você fez parte de um grupo para elaborar um anteprojeto de lei para a regulamentação. Como está esta questão?
Fernando Martinelli — Eu fiz parte de um grupo de trabalho liderado pelo Consultor Caio Calfat, Vice-Presidente de Assuntos Imobiliários Turísticos do Secovi – Sindicato da Habitação. Trabalhamos durante um ano e meio na criação de um Anteprojeto de Lei que hoje está em tramitação no Congresso Nacional. É um Projeto de Lei, a PL 54, que visa regulamentar algumas especificidades da multipropriedade.

O modelo de multipropriedade já é regulamentado no Brasil por meio da Lei de Incorporação Imobiliária. Recentemente, participamos de uma pesquisa junto com à Consultoria Caio Calfat, na qual foram levantados 56 projetos de multipropriedade em andamento ou já concluídos. Desses 56, acho que 19 já estão concluídos e operando.

Esse é um mercado que vai gerar mais de R$ 11 bi nos próximos anos somente com esses 56 projetos, sem contar os demais projetos que estão vindo por aí. Então é um mercado que precisa ter uma legislação mais específica pra melhorar o acesso ao capital para desenvolvimento de projetos e principalmente para melhorar a relação empreendedor-consumidor.

Revista Hotéis — Como é a regulamentação deste mercado nos Estados Unidos e México, onde este modelo já está consolidado há vários anos?
Fernando Martinelli  — Cada mercado tem uma característica, uma particularidade. O mercado americano trabalha basicamente com dois modelos, o de propriedade, que eles chamam de “deed title”, que é a escritura imobiliária, e o modelo de direito de uso. O modelo de propriedade é predominante, mais de 90% do mercado foi vendido neste formato e lá cada estado tem uma legislação específica.

A mais avançada é a do estado da Flórida, que é onde está a grande maioria dos projetos com tempo compartilhado. O cliente compra um direito de propriedade de uma semana, faz parte daquele condomínio que muitas vezes é representado por uma associação de proprietários, como o Homeowners Association, que eu já comentei no começo da nossa conversa, e esse empreendimento funciona muito bem. Então esse é um modelo super consolidado nos Estados Unidos. É uma indústria de alguns bilhões de dólares.

Já no mercado mexicano é um pouco diferente. Lá, eles não vendem a propriedade, vendem um direito de uso por tempo indeterminado. Ele é basicamente uma propriedade, como se fosse uma posse, como aqui no Brasil. Então, cada mercado tem uma característica. Na Argentina, é um direito de uso, não é uma propriedade.

Aqui no Brasil, a gente tem os dois modelos. A gente tem o direito de uso, que é regulamentando pela Lei Geral do Turismo, e tem o direito de propriedade, que é regulamentado pela Lei da Incorporação Imobiliária. Não existe um padrão no mundo. Cada lugar tem a sua característica. Aqui temos esses dois modelos e acredito que ambos vão crescer. O modelo do tempo compartilhado vai desenvolver para empreendimentos que tenham escala, tenham volume e que tenham muita gente.

Por exemplo, empreendimentos que estão juntos de parque aquático e parques de entretenimento. O segredo de um parque aquático e de entretenimento é o desenvolvimento imobiliário e turístico. Foi o que a Disney fez e o que alguns grupos no Brasil têm feito, como o Beach Park, o Rio Quente entre outros. Os dois modelos de negócio são interessantes e acredito que tenham um potencial enorme de desenvolvimento no Brasil.

“Acredito que os modelos de direito de uso e de propriedade vão crescer no Brasil”

Revista Hotéis — Vocês acabam de abrir um novo escritório na capital paulista. Ele será um divisor de águas para acelerar o crescimento da Interval no Brasil?
Fernando Martinelli  — Nosso novo escritório fica na região da Berrini, em São Paulo no 27º andar de um imponente prédio próximo ao Morumbi Shopping. Ele possui toda uma estrutura para atender os nossos clientes, como salas de reunião e áreas para desenvolvimento de atendimento para os resorts no Brasil. Contratamos um novo Gerente de Vendas para Resorts para me ajudar na parte de novos negócios, o George Dao que já está no mercado hoteleiro há bastante tempo e já trabalhou comigo em outras empresas, como a BSH, por exemplo e vai desenvolver a unidade de negócios e vendas.

Já a divisão de resorts, quem gerencia é a Deborah Arena, que já está conosco há mais de dois anos e fez parte desse nosso processo de desenvolvimento. Nosso objetivo é crescer com calma, pois o Brasil é um país onde não dá para ter planejamento de longo prazo. Em cinco anos, a gente viu de tudo aqui. A gente viu trocar presidente, viu presidente de grandes empresas serem presos. Então é um mercado complicado para planos de longo prazo.

Quando a gente voltou para o Brasil, voltou com a ideia de crescer de uma forma conservadora, mas constante, e a gente tem feito isso. O nosso escritório é um marco importante, é a consolidação do nosso negócio aqui.  Então, esse novo escritório é importante porque ele consolida a nossa presença aqui no Brasil. Não há dúvidas que o País é uma grande oportunidade e que, apesar de toda a turbulência política e econômica que a gente está vivendo nos últimos anos, a gente sabe que o Brasil não vai parar e a gente também não pode parar.

Estamos aproveitando esse momento para os programas de multipropriedade e de tempo compartilhado, porque a gente sabe que ele é um produto de crise por ter uma relação custo-benefício muito atrativa e é nos momentos de crise que esses programas vendem mais. Nossos clientes têm vendido muito no Brasil e isso tem nos gerado um volume de negócios muito importante. É por isso que estamos aumentando a nossa estrutura local para que possamos trazer mais plataformas de negócios para o Brasil e possamos suportar ainda mais essas operações no sentido de profissionalizar cada vez mais o mercado de tempo e propriedade compartilhada aqui.

A Interval é uma empresa muito forte internacionalmente e a nossa ideia é poder trazer cada vez mais as nossas ferramentas e as nossas plataformas de negócio para o mercado brasileiro com o intuito de desenvolver esse mercado em escala como a gente fez em diversos outros destinos do mundo.

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