Escala de trabalho 6×1: boa ou má notícia para o setor hoteleiro?
Proposta de Emenda à Constituição da Deputada federal Erika Hilton afeta o mercado de trabalho do segmento hoteleiro nacional

O segmento hoteleiro inicia o ano de 2025 com uma série de incertezas em relação a temas delicados, que merece atenção dos legisladores e vigia constante das lideranças do setor. Qualquer decisão aprovada no Congresso pode impactar o setor e temas como o fim do PERSE, legalização dos cassinos nos hotéis e a reforma tributária estão nos holofotes há bastante tempo. Mas uma nova questão que a hotelaria deverá se preocupar em 2025 é em relação a flexibilização da jornada de trabalho. Esse é um tema bastante debatido no contexto trabalhista e geralmente está relacionado a mudanças na legislação ou negociações coletivas. Ele voltou à tona atualmente, depois que a Deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) apresentou uma PEC – Proposta de Emenda à Constituição. As assinaturas necessárias para iniciar a tramitação desse projeto ultrapassaram o número mínimo que é de 171, chegando ao total de 230 assinaturas coletadas.
O projeto visa acabar com escalas em que se permite trabalhar por seis dias seguidos para folgar um (6×1), conforme determina a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho no Brasil. Esse modelo é amplamente utilizado em setores como comércio, indústria e serviços. A PEC, em tramitação no Congresso, propõe uma escala de trabalho de 4×3 para os trabalhadores.
Muitos empregadores e trabalhadores têm debatido a eficácia do modelo 6×1, considerando alternativas que conciliem melhor a produtividade e o bem-estar, como semanas reduzidas (5×2) ou escalas rotativas.
Tramitação da PEC
A aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição no Brasil exige várias etapas no Congresso Nacional, incluindo a participação tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado Federal. A primeira etapa de análise é feita pela CCJ – Comissão de Constituição e Justiça da Casa Legislativa onde a PEC foi apresentada, seja na Câmara ou no Senado. Nessa comissão, o objetivo é verificar a constitucionalidade e juridicidade da proposta, ou seja, avaliar se ela está de acordo com as normas da Constituição. Se aprovada pela CCJ, a PEC segue para uma comissão especial da Câmara, onde será apresentado seu mérito, que diz respeito ao seu conteúdo, e não apenas sua conformidade com a Constituição.
Após a avaliação pela comissão especial e a emissão de um parecer recomendando a aprovação ou a inclusão, a PEC é encaminhada ao plenário da Câmara dos Deputados. Nessa etapa, são realizadas duas votações em plenário, e, em cada turno, a PEC precisa obter o apoio de, no mínimo, três quintos dos deputados – 308 dos 513 deputados. Caso a PEC seja aprovada nos dois turnos da Câmara, ela segue para análise no Senado. Quando a PEC chega ao Senado Federal, passa novamente pela CCJ para uma nova análise de constitucionalidade e mérito. A aprovação de uma PEC no Brasil não possui um prazo fixo definido pela lei, mas sim etapas com tempos que podem variar conforme o ritmo das comissões e as deliberações no Congresso. Em média, no entanto, o processo completo pode levar meses ou até anos, dependendo do contexto político, da urgência do tema e do consenso entre os parlamentares.
Como fica o setor hoteleiro nessa questão?
Em relação à essa mudança, no setor hoteleiro, vai ser preciso discutir os custos operacionais atuais e comparar os impactos financeiros potenciais que essa proposta poderia trazer ao setor. A FBHA – Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação, por exemplo, se posiciona de for

ma contrária à PEC de iniciativa da Deputada federal Erika Hilton, cujo objeto se traduz na redução da carga horária máxima, de 44 para 36 horas durante, no máximo, quatro dias por semana. A entidade ressalta que a Constituição da República de 1988 já permite a redução da jornada de trabalho por meio da negociação coletiva de trabalho, ou seja, entre trabalhador e empregador.
Para a Federação, tal redução abrupta, acompanhada de limitação do labor por apenas quatro dias na semana, impactaria diretamente na competitividade empresarial perante o mercado mundial, inclusive com prejuízos para micros e pequenas empresas, que não teriam como arcar com o aumento de custos em razão da redução da jornada de trabalho, haja vista o consequente aumento exponencial do custo da folha de pagamento, em razão da ausência de redução salarial proporcional.
Segundo Alexandre Sampaio, Presidente da FBHA, “portanto, o argumento apresentado por outros de que isso geraria empregos não se sustenta, pois o que gera emprego é o desenvolvimento econômico, o crescimento e a qualificação profissional”, afirma.

Sampaio acrescenta ainda que é importante observar que a carga horária máxima estabelecida no Brasil (44 horas) está dentro da média mundial, sendo que países como Alemanha, Argentina, Chile, Dinamarca, Holanda, México e Inglaterra possuem regime semanal de 48 horas de trabalho. Nesse sentido, o último estudo realizado pela OIT – Organização Internacional do Trabalho aponta que 22% dos empregados do mundo trabalham mais de 48 horas por semana. No Brasil, este índice chega a 18,3%, com carga horária maior, sobretudo nos setores do comércio e serviços. “Entendemos e valorizamos iniciativas que tem como objetivo melhorar o bem-estar dos trabalhadores e adaptar o mercado às novas demandas sociais. No entanto, gostaríamos de destacar que a redução da jornada de trabalho sem a diminuição proporcional dos salários pode gerar um aumento significativo nos custos operacionais das empresas. Este acréscimo nas despesas com a folha de pagamento poderia sobrecarregar ainda mais o setor produtivo, que já enfrenta altos custos com obrigações trabalhistas e fiscais”, finalizou Sampaio.
Para o Presidente do HotéisRIO – Sindicato de Hotéis e Meios de Hospedagem do Rio de Janeiro, Alfredo Lopes, “não foi feito um estudo de um impacto na economia. Se você reduzir a jornada de trabalho e não reduzir a remuneração, isso pode ter um impacto muito negativo na economia”, destacou. Para ele, essa redução vai implicar na contratação de mais colaboradores.
Na opinião de Arthur Veloso, Presidente do SINHORES – Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Baixada Santista e Vale do Ribeira, do jeito que está sendo proposto, quem vai pagar a conta é o consumidor. “Se a proposta for aplicada considerando todos os interesses – do consumidor, empresários e empregados, é algo que pode ser pensado, a fim de não penalizar os envolvidos. Existem formas de desoneração tributária que deveriam ser pensadas para estimular as empresas a optarem por uma jornada menor de trabalho. O que não pode ocorrer é uma imposição sem o amadurecimento adequado”, afirmou.
Posição contrária à PEC
A CNC – Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo também manifesta posição contrária à PEC que busca a redução da jornada de trabalho para quatro dias por semana. “Embora entendamos e valorizemos as iniciativas que visam promover o bem-estar dos trabalhadores e ajustar o mercado às novas demandas sociais, destacamos que a imposição de uma redução da jornada de trabalho sem a correspondente redução de salários implicará diretamente no aumento dos custos operacionais das empresas. Esse aumento inevitável na folha de pagamento pressionará ainda mais o setor produtivo, já onerado com diversas obrigações trabalhistas e fiscais”, disse José Roberto Tadros, Presidente da CNC.
Para a ele, o impacto econômico direto dessa mudança poderá resultar, para muitas empresas, na necessidade de reduzir o quadro de funcionários para adequar-se ao novo cenário de custos, diminuir os salários de novas contratações, e fechar estabelecimento em dias específicos, o que diminui o desempenho do setor e aumenta o risco de repassar o desequilíbrio para o consumidor. Com isso, ao invés de gerar novos postos de trabalho, a medida pode provocar uma onda de demissões, especialmente em setores de mão de obra intensiva, prejudicando justamente aqueles que a medida propõe beneficiar. “Além disso, as atividades comerciais e de serviços exigem uma flexibilidade que pode ser comprometida com a implementação da semana de quatro dias, dificultando o atendimento às demandas dos consumidores e comprometendo a competitividade do setor. A CNC acredita que a redução da jornada de trabalho deve ser discutida no âmbito das negociações coletivas, respeitando as especificidades e limitações de cada setor econômico e evitando a imposição de uma regra única”, afirmou. Ele reforça que qualquer mudança na legislação trabalhista deve ser amplamente debatida e analisada quanto aos seus impactos econômicos e sociais, para que seja possível construir um ambiente sustentável para trabalhadores e empresas.

Para finalizar Tadros reforça que: “a CNC conclama os parlamentares a reavaliar esta proposta e buscar alternativas que promovam o desenvolvimento econômico, a preservação dos empregos e o bem-estar dos trabalhadores sem onerar excessivamente as empresas e comprometer a estabilidade do mercado de trabalho brasileiro”, concluiu.
Na opinião de Mário Cezar Nogales, Consultor especializado em hotelaria e com vasta experiência no setor, em um hotel de 80 unidades habitacionais, por exemplo, a escala atual exige uma equipe mínima na recepção e na governança para garantir o funcionamento contínuo, 24 horas por dia. Atualmente, a recepção opera com pelo menos quatro funcionários, divididos em três turnos para garantir a cobertura integral do dia. Na área de governança, são adotadas cerca de seis camareiras distribuídas em dois turnos, garantindo a limpeza e arrumação dos quartos com eficiência. “Com a possível implementação da nova escala 4×3, que implica uma jornada de quatro dias de trabalho seguida por três dias de folga, os hotéis terão de ajustar seu quadro de funcionários para cobrir as folgas adicionais e manter o nível de serviço. Isso significa, na prática, que uma equipe precisará ser duplicada, especialmente nos setores de recepção e governança, onde a presença de funcionários é essencial para o funcionamento básico do hotel. No exemplo específico deste hotel, a equipe passaria de 10 para 20 funcionários desses setores, impactando diretamente a estrutura de custos”, ele ressalta.
Ainda segundo Nogales, esse aumento significativo na quantidade de pessoal reflete diretamente no custo anual de operação. Atualmente, o custo exemplificado é de R$ 410.880,00 para cobrir encargos sociais e benefícios para uma equipe de 10 funcionários. Com a nova escala, esse custo praticamente dobra, chegando a R$ 821.760,00 anuais. Esse aumento substancial representa um desafio financeiro para os hotéis, especialmente aqueles que operam com margens de lucro reduzidas. “Para equilibrar esses custos, muitos hotéis poderiam se ver obrigados a repassar parte desse impacto para as tarifas, elevando o preço das diárias em cerca de 20% ou até mais, dependendo de outros fatores como categoria do hotel, localização e sazonalidade. No entanto, essa medida pode reduzir a competitividade do hotel, especialmente em regiões onde há uma alta oferta e a competição é baseada no preço. Alternativamente, os hotéis poderiam adotar estratégias de automação e otimização de processos, como o uso de tecnologias para reduzir a dependência de mão de obra em determinadas atividades, mas essa solução também envolve investimentos iniciais consideráveis”, diz. “A introdução da escala 4×3 traz implicações complexas para o setor hoteleiro. Além do aumento de custos, ela também impacta a estrutura organizacional e operacional, exigindo uma reavaliação de estratégias para manter a competitividade sem comprometer a qualidade do atendimento e a experiência do hóspede”, ele conclui.

Ponto de Luz adota escala 5×2
Em meio às discussões sobre o fim da tradicional escala de trabalho 6×1, o Hotel Ponto de Luz, localizado na Serra da Mantiqueira (SP), tem se destacado como um dos primeiros hotéis no Brasil a adotar a escala 5×2, já em vigor há três meses. Com essa mudança pioneira, o Ponto de Luz busca priorizar o bem-estar de seus colaboradores. Com a implementação dessa escala, o hotel tem observado melhorias significativas no ambiente de trabalho e no nível de satisfação dos colaboradores. A escolha pelo modelo 5×2, comum em setores administrativos, ainda é rara no setor de serviços e principalmente no setor hoteleiro, onde a escala 6×1 é a norma predominante.
Segundo Edilene Matos, Diretora do Ponto de Luz, “somos um hotel de bem-estar e entendemos que a saúde e a satisfação da nossa equipe devem estar em sintonia com o cuidado que oferecemos aos nossos hóspedes”, diz. “Implementamos essa mudança de forma estratégica, após estudos e conversas com nossos colaboradores, identificando essa escala como a melhor para o bem-estar de todos e para nossa grata surpresa, além de trazer melhoria significativa na qualidade de vida de todos e no clima organizacional, nos deparamos com uma acentuada queda no índice de absenteísmo, maior produtividade e qualidade de atendimento, demonstrando que além de possível, a escala 5×2 pode beneficiar empregados e empregadores”, completa.

Desde a mudança, o hotel já sente uma redução significativa nas ausências de funcionários por questões de saúde e faltas não justificadas, além do aumento no engajamento da equipe. Com isso, o Ponto de Luz mostra como o foco no bem-estar da equipe pode gerar um impacto positivo na experiência dos hóspedes e nos resultados das empresas.