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Desmistificando a comercialização de multipropriedades

Artigo de Paulo Henrique Barbosa*

A multipropriedade é o mais novo segmento do setor imobiliário e turístico, e também o que tem tido melhor performance nos últimos anos, em ambos setores. Dentre das atividades da cadeia de valor, e consequente know-how para se executar um empreendimento de multipropriedade, podemos citar (i) concepção e desenvolvimento de produto, (ii) marketing e vendas, (iii) cobrança e relacionamento, (iv) gestão, governança e RI, (v) operação condominial com ou sem serviços hoteleiros e central de reservas/pool hoteleiro e (vi) estruturação de capital (funding).Desmistificando a comercialização de multipropriedades

Além disso, dentro do contexto do negócio, existem várias outras atividades acessórias e secundárias, que também são intrínsecas na consecução dos projetos, como: tecnologia e inovação, jurídico, contabilidade, financeiro, etc. E o que vemos em muitos casos é uma terceirização completa da cadeia de valor, que além de uma perda de margem inerente e clara, trazem outros fatores de riscos, como: comercial, técnico e de imagem. Este último está diretamente ligado à sala de vendas, e se o empreendedor optar pela terceirização da parte comercial, deve tomar algumas precauções na escolha da empresa – principalmente no alinhamento de valores e cultura – e no modelo contratual a ser adotado.

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Eu não sou contra a terceirização, aliás, na Multipropriedade, para incorporadores e investidores de poucos projetos, mais que em outros setores, ela se faz necessária. A curva de aprendizado é longa, cara e carrega um risco altíssimo. Só estou ligando um sinal amarelo, para que todos saibam que a terceirização de escopos, não significa uma transferência total de responsabilidades.

E é por isso que hoje vamos aprofundar nesse mundo de Vendas e Marketing, que na Multipropriedade é usualmente chamado de comercialização ou consultoria – a depender do formato, nomenclaturas que dão um nó na cabeça dos incorporadores e investidores. Buscaremos ao longo do texto, deixar tudo isso um pouco mais claro.

Desmistificando a comercialização de multipropriedades
Fracionar uma casa ou apartamento hoteleiro em cotas imobiliárias é um modelo de negócio muito utilizado na Europa e Estados Unidos e que ganhou força no Brasil com a multipropriedade

Vender, ou “top line”, sempre foi core de qualquer empresa em qualquer mercado. O fato é que como o negócio começou e ainda é majoritariamente executado no Brasil, além de core, o time comercial carrega todo o peso e responsabilidade pelo sucesso/performance dos empreendimentos – enquanto em mercado maduros, é apenas uma variável importante na equação – em um cenário de produtos genéricos, falta de conhecimento/definição do público alvo do projeto e um método de vendas robusto, que em termos de números/resultados, é inquestionável: vende e vende muito! Mas a que preço e até quando? É realmente necessário focar somente no senso de urgência? O cliente entende o que está comprando? Essas são algumas dos questionamentos que devemos fazer constantemente visualizando a perpetuidade do setor, bem como prezar e cobrar por boas práticas, regras de compliance e por que não, uma autoregulação?

Talvez a origem, causa raiz, da maioria dos desafios e problemas enfrentados em nosso setor atualmente esteja no desenvolvimento e concepção de produtos – ou falta de – e no vácuo que muitas vezes existe entre o desenvolvimento dos projetos pelo incorporador e as vendas do produto pelo comercializador. Não falo de um vácuo temporal, mas sim de comunicação, de alinhamento de responsabilidades e expectativas, e por que não de Compliance? Mas esse é um tema pra um próximo artigo, vamos voltar para a comercialização.

A seguir, trago duas imagens, para ilustrar o passo a passo na execução de um projeto e também tentar mostrar o que é um produto de multipropriedade, que é, ou pode ser, muito mais que um tijolo compartilhado.

Desmistificando a comercialização de multipropriedades

Há um tempo atrás, mergulhei em estudos sobre a história Vendas e contei com a ajuda do meu amigo Satyro Silva e Oliveira. Como consequência disso, percebi que a “Arte da Venda” tem uma história longa e está e estará sempre em constante evolução, até porque o comportamento de consumo dos consumidores também evoluem/modificam, e a pandemia do COVID-19 está nos mostrando isso na pele. John H. Patteson, é conhecido como o “primeiro vendedor do mundo”, sendo ele pioneiro em profissionalizar as vendas, vendendo caixas registradoras. Em 1916, aconteceu o primeiro Congresso Mundial de Vendas, com Woodrow Wilson trazendo a venda baseada na confiança. De 1923 a 1936, surgiram as vendas emocionais, psicológicas e de relacionamento, com contribuições importantes de Hery Link e Dale Carnegie. De 1940 até o fim da década de 60, vários métodos foram desenvolvidos, como a Venda de Barreira, método SELL, ADAPT, ARC, AINDA e a venda por fórmula.

No ano de 1968 houve um marco importante para a indústria, com a Xerox – devido a uma necessidade de sobrevivência da companhia – desenvolvendo o método “Needs Satisfaction Selling” (Venda pela Satisfação das Necessidades), trazendo a essência de que ninguém queria que lhes vendessem nada, mas as pessoas desejavam fazer uma decisão informada. A Xerox e seu método, tiveram tanto sucesso, que em 1972, a companhia criou uma divisão “Xerox Learning Systems”, com o intuito de transferir esse conhecimento para outras empresas. Grandes indústrias, como Telecom, Farmacéutica, de Seguros, e muito do que vemos em sala de vendas de Multipropriedades Turísticas, tem a base do método Xerox em seus processos.

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No início da década de 80, Robert Miller e Stephen Heiman, ambos da IBM, criaram a “Venda Estratégica” e no final da década, Neil Rackmam deu origem ao “SPIN Selling” (Venda Consultiva), por meio de pesquisas e consultorias na Xerox, IBM e Kodak.  Essa foi a primeira técnica de vendas cientificamente comprovada.

Mike Bosworth, que trabalhou na Xerox no início da implantação do método “Needs Satisfaction Selling” na empresa, publicou o livro “Costumer Centric Selling” (Venda Centrada no Cliente) em 1993, nos anos 2000, junto ao já mencionado, Neil Rackaman, originaram a “Solution Selling” (Venda de Solução), explicando e comprovando a importância de se colocar o comprador a frente da venda, buscando em toda a venda o “ganha-ganha”.

Venda emocional

É interessante olhar para todo esse histórico de evolução das Vendas – suas metodologias e abordagens – e fazer um paralelo com o nosso segmento, onde muitos dizem que a venda de Multipropriedades é única, quando na verdade não é, ela é sim muito especializada, técnica e processual. A venda de impacto, como denominam o método do setor, é em alguns momentos criticada, devido ao alto grau de emoção aplicado na mesa de vendas. Agora, te faço uma provocação: qual venda, em qualquer segmento, que não tem emoção atrelada? Que pode ser considerada 100% racional? A emoção trazida em sala de vendas não é uma exclusividade do setor de multipropriedades turísticas, é um elemento chave e que deve ser buscado em qualquer processo de vendas, assim como gatilhos para conduzir o cliente à compra – os chamados “calls to action (CTAs)” – e para despertar senso de urgência e escassez da oferta. Tudo isso são elementos da arte da venda, e bons vendedores utilizam em vários setores, com os mais diversos produtos e serviços. O que não pode ocorrer, é uma agressividade que traz consigo, mentiras, omissões de fatos relevantes e desrespeito ao cliente, características que infelizmente já foram vistas em mais de uma ocasião em alguns produtos no Brasil. Essas situações causam um dano de imagem ao produto, destino e ao setor. E não se enganem, isso é gravíssimo! Essas más práticas podem acabar com todo um mercado. Temos o dever de nos autorregular, trocar experiências e boas práticas, visando manter um mínimo grau de controle sobre o que é feito pelos times comerciais, espalhados pelo Brasil.

Falado tudo isso, vamos entrar agora em um dos temas que mais chama a atenção de novos entrantes no mercado, que é o custo comercial e de Marketing de um projeto de Multipropriedade. Em incorporações residenciais ou loteamentos, o custo com a venda oscila entre 5-10%, já em nosso setor, esse valor pode chegar em 30%. Se é alto comparado a outros segmentos do mercado imobiliário no Brasil, é baixo tendo como referência o mercado de timeshare norte americano, que em último relatório divulgado pela ARDA (American Resort Development Association), foi apurado em uma média de 43,5%.

Não sei se vocês repararam, mas eu apenas citei três percentuais diferentes, sendo que em momento nenhum falei da base de cálculo, e essa é a origem de diversas confusões no momento da escolha da empresa de venda, na modelagem dos financials dos projetos e na própria gestão no dia-a-dia do negócio.

Controle das decisões

O que se ouve no mercado é: “Eu cobro/pago 20% no formato de comercialização” ou “eu cobro/pago 5% no formato de consultoria.” Teoricamente, no formato de consultoria, todos os custos e despesas do projeto – inerentes a operação comercial – são de responsabilidade do incorporador, e a empresa de vendas, cobra um percentual limpo, pela transferência de know-how comercial. Enquanto no formato de comercialização, a empresa comercializadora é responsável por todos os custos operacionais, assumindo uma exposição de caixa e risco consideravelmente maiores. Costumo falar, que este último formato, é muito parecido com um ciclo de incorporação, porém, reduzido e sem o controle das decisões do projeto.

Mesmo com as explicações já realizadas, existem muitas informações não ditas ou que não ficam claras e explícitas para todas as partes. Temos que ir muito mais a fundo nessas formas de precificação, para termos bases de comparação e entender o impacto de cada proposta/formato nos indicadores de performance do projeto e quais riscos – além do financeiro – cada proposta traz consigo.

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Abaixo, te convido a entender algumas possíveis bases de cálculo em que os percentuais cobrados pelas empresas de vendas, podem incidir.
  1. VGV vendido bruto: É o volume financeiro vendido total, normalmente apurado de forma mensal. Portanto, se uma empresa cobra 10% sobre o VGV vendido bruto, e o projeto vendeu BRL 10,0 milhões no mês, o pagamento para esta companhia referente a competência apurada, é de BRL 1,0 milhão. Neste formato, também tem que se definir a forma de pagamento deste valor.
  2. VGV vendido líquido: É o volume financeiro vendido total, normalmente apurado de forma mensal, abatido de alguns itens, normalmente impostos e distratos1. Mas também já vi situações que consideraram mais abatimentos, e está tudo certo, não tem problema nenhum nisso, se tudo tiver sido acordado com transparência entre as partes.
  3. Receita Bruta: É toda a entrada de caixa operacional do projeto, advinda da venda das frações imobiliárias, independente se é relativo ao contrato de intermediação ou contrato de compra e venda.
  4. Receita Líquida: É toda a entrada de caixa operacional do projeto, advinda da venda das frações imobiliárias, com algumas deduções, sendo a principais e mais corriqueiras: impostos e comissionamento da equipe de vendas (ou contrato de intermediação).

1Aqui é outro pontos de atenção, pois pode-se acordar o abatimento apenas dos contratos distratados nos 7 primeiros dias (prática comum do mercado), prazo legal para o direito de arrependimento do consumidor, segundo o CDC – Código de Defesa do Consumidor – ou nos primeiros 30/60/90 dias, ou também todo o distrato apurado naquela competência, independente da data da venda do contrato distratado.

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Reparem como os valores são diferentes, principalmente no início da curva, em um projeto hipotético, com uma tabela de vendas de 70 parcelas.

Desmistificando a comercialização de multipropriedades

Neste exemplo, para o cálculo do VGV líquido, foi desconsiderado apenas distratos totais (30%), e para a Receita Líquida, apenas tributação. A diferença pode ser ainda maior, dependendo do acordo comercial.

As devoluções referentes à contratos distratados, é outro ponto importantíssimo que deve ser acordado, tanto o racional, quanto o operacional, para mitigar desgastes, independente da base de cálculo adotada. É um valor que pode ser abatido/retido dos futuros pagamentos de direito da empresa de vendas.

Escolha do melhor formato

Como comentei anteriormente, normalmente só se fala um percentual e se é no “formato de consultoria ou comercialização”. Não caia nesse jogo de nomes, durante o Biding proccess (processo licitatório), falando exclusivamente da precificação, algumas perguntas, não exaustivas, devem ser respondidas:

  • Qual o escopo de responsabilidades financeiras de cada parte? O que a empresa de venda tem que pagar e o que o incorporador deve se preparar/comprometer dali pra frente?
  • O custo de implantação das salas de vendas, é de responsabilidade de quem?
  • Existe algum valor que é pago dos clientes diretamente para a empresa de vendas?
  • Os contratos com os colaboradores e fornecedores, são feitos com o incorporador ou empresa de venda?
  • O pagamento é feito de forma prioritária? Qual a forma de pagamento?
  • Será feita alguma contingência (principalmente trabalhista)?

De fato, a atividade comercial tem uma presença e influência muito grande no negócio de multipropriedade e, portanto, os contratos entre incorporador e contratada, demandam um carinho maior na instrumentalização e um jurídico com experiência neste contexto e preferivelmente no setor. Espero com esse texto, ajudar a incorporadores, investidores e a toda a cadeia de valor do setor, que tem a obrigação de profissionalizar cada vez mais a execução de todas as etapas deste negócio complexo, que é a multipropriedade.

* Paulo Henrique Barbosa é Sócio da Verta e Conselheiro do Grupo Lagoa Quente, com experiência em operações de M&A e Project Finance, Junto à outras referências do setor, prometem dar o novo tom do mercado de Tourism Oriented Real Estate (T.O.R.E) no Brasil.  Esse artigo do Paulo foi escrito com apoio de Francisco Costa Neto ex-CEO da Aviva e atual CEO da BETA Advisory

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Edgar J. Oliveira

Diretor editorial - Possui 31 anos de formação em jornalismo e já trabalhou em grandes empresas nacionais em diferentes setores da comunicação como: rádio, assessoria de imprensa, agência de publicidade e já foi Editor chefe de várias mídias como: jornal de bairro, revista voltada a construção, a telecomunicações, concessões rodoviárias, logística e atualmente na hotelaria.

Um Comentário

  1. Multipropriedade é tudo de bom !!!! Comprei uma em Praia Grande, no Residencial Affinity da Avenida Construtora. Vale a pena procurar saber sobre o conceito que mais cresce no Brasil. Não é a toa que já tem outras construtoras na cidade fazendo a mesma coisa. Fica a dica !!!

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