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Céu de brigadeiro começa a surgir para as companhias aéreas no Brasil

As viagens aéreas são as preferidas quando o destino é de longo percurso e através desse importante elo da cadeia do turismo, se movimenta vários outros, como a hospedagem, traslados, tours, ambulantes, entre outros. E imagine o setor aéreo tendo que enfrentar em poucos dias a dura realidade de 2,4 mil partidas diárias para apenas 163 decolagens. Isso foi o que aconteceu na pandemia da COVID-19 e deflagrou a maior crise da história da aviação comercial brasileira.

Em abril deste ano, o setor aéreo registrou uma média de 1.940 decolagens diárias, o equivalente 80,7% da oferta de voos pré-pandemia. Mas a retomada integral da operação aérea internacional só deve ocorrer até o fim de 2023, desde que enfrentemos o Custo Brasil. Um deles é o QAV – querosene de aviação, que é o ICMS. Isso faz com que, muitas vezes, uma passagem aérea de um voo internacional seja mais barata do que um voo doméstico, levando-se em conta distâncias similares. Essa e mais informações importantes estão contidas nessa entrevista exclusiva com Eduardo Sanovicz, Presidente da ABEAR – Associação Brasileira das Empresas Aéreas. Confira a seguir!!! 

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Revista HotéisQuais foram os impactos que a pandemia da COVID-19 teve nas companhias áreas brasileiras? As medidas provisórias publicadas pelo Governo foram suficientes para amenizar as perdas?

Eduardo SanoviczA pandemia de COVID-19 deflagrou a maior crise da história da aviação comercial brasileira. Com os níveis de demanda e oferta diretamente impactados, as companhias aéreas iniciaram 2022 com a missão de superar a crise gerada nos últimos dois anos. Reconhecemos os esforços do governo e do Congresso para minimizar esse impacto negativo. Durante a pandemia, por exemplo, foram publicadas MPs, que mais tarde se tornariam leis, para preservar os benefícios aos passageiros, como remarcação das viagens sem multas ou taxas. 

R.H — Como se encontra hoje a malha aérea nacional? Já podemos dizer que o setor voa em céu de brigadeiro?

E.SEm primeiro lugar, é importante lembrar o severo impacto do novo coronavírus para a operação aérea. Logo no início da pandemia, em abril de 2020, a média diária de voos domésticos desabou para 163 decolagens, sendo que antes da pandemia a média era de 2,4 mil partidas diárias. O dado mais recente que temos mostra que, em abril deste ano, registramos uma média de 1.940 decolagens diárias, o equivalente 80,7% da oferta de voos pré-pandemia. Ou seja, ainda não podemos dizer que estamos voando em “céu de brigadeiro”, principalmente por causa do impacto da crise no mercado internacional. Em abril deste ano, registramos 87 partidas diárias, o que corresponde a 44,3% da malha aérea internacional antes da pandemia. A retomada integral da operação aérea internacional só deve ocorrer até o fim de 2023, desde que enfrentemos o Custo Brasil. 

R.H — Com o avanço da tecnologia, muitas reuniões de negócios na pandemia passaram a ser feitas de forma online, se incorporam aos costumes dos executivos e consequentemente deve diminuir as viagens aéreas de negócios. Essa é uma realidade que preocupa as companhias aéreas? As viagens de lazer vão compensar essa mudança?

E.SDe fato, a pandemia trouxe novos hábitos, pois a digitalização do consumo é consequência do cenário de digitalização do acesso à informação. Portanto, todos os hábitos, agora, de como você se informa sobre turismo, gastronomia, hospedagem, passeios, roteiros e destinos vêm por meio digital. Ainda é cedo ainda para estimar um prazo para a retomada desse segmento específico de viagens a negócios, pois a pandemia trouxe um impacto muito severo para o turismo de negócios e eventos, mas já vemos alguns sinais positivos nesse setor. Já participei de alguns eventos promovidos pelo setor de turismo que demonstram que a sua realização é possível. É fundamental para o setor de eventos se fortalecer para tentar suprir essa demanda que vai ser crescente. Portanto, vai ser um novo perfil e nós vamos ter de nos preparar oferecendo produtos e serviços competitivos, com preços adequados para os destinos que forem demandados. 

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R.H — O Brasil possui dimensões continentais e um imenso potencial turístico a ser explorado, mas conta com apenas três companhias aéreas de grande alcance. Na sua opinião, o que impede o surgimento de outros players nesse mercado?

“As empresas aéreas estrangeiras são isentas do ICMS sobre o QAV, devido a acordos internacionais para estimular a competição global”

E.SSem dúvida alguma o Custo Brasil e a insegurança jurídica é o que impede o surgimento de novas empresas aéreas no país. Só o Brasil tem um imposto regional sobre o QAV – querosene de aviação, que é o ICMS. Isso faz com que, muitas vezes, uma passagem aérea de um voo internacional seja mais barata do que um voo doméstico, levando-se em conta distâncias similares. As empresas aéreas estrangeiras são isentas do ICMS sobre o QAV, devido a acordos internacionais para estimular a competição global. Temos também um excesso de judicialização no País por causa dos chamados “sites abutres”. Já são mais de 30 empresas no País, muitas recém estabelecidas, que, aproveitando-se de lacunas da legislação brasileira, inflacionam custos e o número de processos ao fazer crescer, injustificadamente, o número de causas judiciais junto à aviação brasileira, onerando também o Estado, o Poder Judiciário e a sociedade. Segundo a IATA – Associação Internacional de Transporte Aéreo, no Brasil são oito processos a cada 100 voos, enquanto, nos Estados Unidos, ocorre 0,01 processo a cada 100 voos. 

R.H — O Governo federal estudava antes da pandemia a entrada de companhias aéreas estrangeiras para atuar também no Brasil em voos regionais. Durante a pandemia se aventou novamente a possibilidade da ANAC emitir certificado para novas operadoras. Como você analisa esse contexto de maior competitividade no setor? Os clientes serão os grandes beneficiados?

E.SEu acredito que as empresas aéreas estrangeiras, nos dias atuais, não enxergam um ambiente de competividade no Brasil com a disparada do preço do querosene de aviação, alta da cotação do dólar em relação ao real, insegurança jurídica devido ao excesso de judicialização e, mais recentemente, o retorno do debate em torno do falso mito do despacho gratuito de bagagens. 

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R.H — Como a ABEAR acompanha a escalada do preço do querosene de aviação. Como está o diálogo com o Governo Federal e qual o impacto que esse combustível tem no setor?

E.SCom muita preocupação. Vale aqui lembrar que em 2021, o preço do QAV registrou alta de 92% em relação ao ano anterior. No acumulado de 1º de janeiro a 1º de maio, a alta acumulada é de quase 49%. O QAV tradicionalmente é o item de maior ineficiência econômica para as empresas aéreas, pois seu valor chega a ser 40% superior do que no resto do mundo. No último dia 11 de abril, a ABEAR e empresas aéreas propuseram uma mesa de diálogo permanente com os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, da Economia, Paulo Guedes, e Marcelo Sampaio, da Infraestrutura, para buscar soluções, principalmente em relação ao custo do QAV e sua tributação.

“Nossos preços médios são compatíveis com outros mercados e subiram nos últimos anos em função do aumento dos custos, principalmente do querosene de aviação”

R.H — Algumas pesquisas apontam que as passagens aéreas no Brasil são uma das mais caras no mundo e que se houvesse mais concorrência e maior oferta de voos, as passagens aéreas tendem a ficar bem mais baratas. Como você analisa essa questão?

E.S A ABEAR desconhece levantamentos de preços de passagens que mostrem que a passagem aérea no Brasil é a mais cara do mundo. Nossos preços médios são compatíveis com outros mercados e subiram nos últimos anos em função do aumento dos custos, principalmente do querosene de aviação. É importante enfatizar que o preço de uma passagem aérea tem relação direta com os custos das companhias, que por sua vez são impactados por fatores externos, como a cotação do dólar em relação ao real, que indexa mais da metade dos custos do setor, pressionando itens como o combustível dos aviões (QAV), manutenção e arrendamento de aeronaves. Só o QAV corresponde historicamente a mais de 30% do custo de uma empresa aérea e chega a ser até 40% mais caro do que a média global, influenciado pelo preço do barril do petróleo, pressionado atualmente pela guerra na Ucrânia, e pela precificação da Petrobras, que cobra em dólares um insumo cujo nível de produção nacional é superior a 90%. Em 2021, o país produziu 93% (ou 4,1 bilhões do consumo total de 4,4 bilhões de metros cúbicos) do QAV consumido e importou apenas 7%, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Dessa maneira, não faz sentido a parcela produzida no Brasil ser precificada pelos mesmos critérios de petróleo importado. Vale lembrar que mais de 50% dos custos das empresas aéreas são dolarizados. Segue, abaixo, um gráfico que mostra o comportamento do preço das passagens desde 2003.

R.H — Muitos passageiros não entendem que na era da tecnologia que vivemos, em muitos casos não se pode mudar o nome de quem adquiriu um bilhete aéreo e porque uma simples remarcação de um voo é tão caro? Como se explica esses fatos?

E.SAqui é importante uma atualização: desde 2017, a Resolução 400 da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, que trouxe novas regras para as viagens aéreas, permite que haja a correção, sem custos, do nome do passageiro desde que a solicitação seja realizada antes do check-in. Erros de ortografia, troca de sobrenomes, por exemplo, estão dentro dessa regra. Em casos de mudança completa de nome ou sobrenome por erro do passageiro, que pode caracterizar troca de titularidade do bilhete, pode haver cobrança de taxa, conforme o que determina a Resolução 400 da ANAC. A remarcação de voo também é regulamentada pela ANAC e os valores são definidos de acordo com a estratégia comercial e individual de cada companhia. A ABEAR não tem qualquer ingerência nesse processo. 

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R.H — Recentemente a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 1.089/21, conhecida como MP do Voo Simples, que modifica normas da aviação civil. Como a ABEAR recebeu essa aprovação?

E.SEssa medida, também conhecida como MP do Voo Simples, foi aprovada na Câmara dos Deputados e será avaliada posteriormente pelo Senado. Ela auxilia o setor pois desburocratiza e simplifica o ambiente de negócios da aviação. Entre as propostas da MP, cito como positivas a interpretação das normas tributárias e aduaneiras, o compartilhamento de informações das empresas de intermediação na compra das passagens, além da inclusão de penalidades para o passageiro indisciplinado.

O querosene de aviação é um dos principais componentes de custos do setor (Foto – Jan Vašek por Pixabay)

R.H — Essa MP foi comemorada por órgãos de defesa do consumidor como um avanço em razão da proibição das companhias aéreas de cobrarem pelo despacho de bagagens de até 23 kg em voos nacionais e de até 30 kg em voos internacionais. Quais os impactos que isso pode ocasionar ao setor?

E.S A aprovação da Medida Provisória 1.089/21 foi positiva, no entanto, uma emenda trouxe novamente esse debate sobre a franquia obrigatória de bagagem despachada. O atual modelo em vigor permite uma classe tarifária mais barata para quem voar sem bagagem no Brasil. Não é uma questão sobre pagar ou não pagar, mas sim de quem vai arcar com os custos. Anteriormente, o valor do despacho de bagagem era diluído no preço das passagens de todos os passageiros, mesmo se alguém não despachasse malas e só estivesse com um volume de mão a bordo.  É importante lembrar que logo após a implementação da cobrança pela franquia de bagagem, ao menos oito empresas estrangeiras, sendo sete “low cost”, demonstraram interesse em operar no país. Em 2020, porém, a pandemia do novo coronavírus interrompeu abruptamente esse movimento. Algumas empresas estrangeiras, como a Jetsmart, demonstraram publicamente sua preocupação com essa medida.

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Edgar J. Oliveira

Diretor editorial - Possui 31 anos de formação em jornalismo e já trabalhou em grandes empresas nacionais em diferentes setores da comunicação como: rádio, assessoria de imprensa, agência de publicidade e já foi Editor chefe de várias mídias como: jornal de bairro, revista voltada a construção, a telecomunicações, concessões rodoviárias, logística e atualmente na hotelaria.

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