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Atuação do CADE sobre a relação entre redes hoteleiras e as OTA’s

Artigo de Mariana Stolze*

Como se sabe, vivemos hoje uma era de pura tecnologia, na qual toda a população fica conectada à internet e às redes sociais 24 horas por dia e sempre busca aproveitar tais canais para solucionar o máximo de questões do cotidiano. Não é diferente quando o assunto é planejamento de viagens, sejam de cunho profissional ou de férias. Há, hoje, uma proliferação de canais (sites e aplicativos para aparelhos móveis), que se dedicam a ofertar ao consumidor viajante, de forma concentrada, opções de hospedagens, passagens, aluguéis de veículos etc. Esses canais são os chamados OTA’s – Online Travel Agencies, as agências de viagens virtuais, sendo os mais populares no Brasil o Decolar.com e o Booking.com.

É evidente, portanto, que o consumidor viajante busque em primeiro lugar visitar os canais das OTA’s para obter o cenário comparativo das opções a que está suscetível, com elenco detalhado dos valores, vantagens e promoções ofertadas por cada empreendimento hoteleiro, o que permite uma escolha mais consciente e satisfatória pelo consumidor.

Contudo, ao mesmo tempo em que as OTA’s ocupam um nicho de atividade interessante à rede hoteleira, já que proporcionam mais visibilidade para o hotel ao fazê-lo como possibilidade para um maior número de consumidores, as OTA’s também representam uma ameaça ao faturamento dos estabelecimentos. Veja, obviamente, se o consumidor utiliza também as OTA’s para efetivar sua reserva, é certo que há uma tarifa a ser paga pela rede hoteleira a tais agências virtuais (comissões entre 13 a 30% do valor da hospedagem), o que torna essa hospedagem mais custosa à empresa em comparação àquela realizada diretamente com o hotel.

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Até o início deste ano, a situação ainda era mais crítica aos hoteleiros, pois nos contratos celebrados entre eles e as agências virtuais havia a previsão de uma cláusula de paridade, garantindo às OTA’s que os hoteleiros não ofertariam hospedagens diretas a valores mais baixos que os praticados pelas OTA’s e, ainda, que todas as agências de viagens teriam a mesma faixa de preço de hospedagens para disponibilizar ao consumidor.

Evidente que o cenário citado não era benéfico aos hoteleiros, haja vista o grande acréscimo em suas despesas por cada hospedagem feita por intermediação, além do fato de se tornar uma espécie de refém diante das OTA’s, já que não poderiam utilizar outros meios para colocar em mercado opções mais vantajosas ao consumidor e que trouxesse ao hotel um maior rendimento.

Este problema foi solucionado pelo CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica que, ao ser provocado pelos hoteleiros, passou a investigar a regularidade dos contratos firmados entre as redes hoteleiras e as principais agências virtuais de viagem atuantes no Brasil, especialmente no que concerne à abusividade das cláusulas de paridade antes impostas.

Como fruto desta investigação, em 28 de março de 2018, foi celebrado um acordo que resultou na assinatura de um Termo de Compromisso de Cessação com as OTA’s Booking.com, Decolar e Expedia, que representam a maior fatia do mercado brasileiro, em que se extinguiu a cláusula de paridade nos termos acima indicados.

Assim, a partir desse acordo, foi possibilitado aos hoteleiros ofertar hospedagens mais baratas e vantajosas através de seus canais de vendas offlines, além da permissão de negociar valores diretamente com cada agência online, ou seja, não existe mais a exigência de que o preço final ofertado ao consumidor seja o mesmo para cada OTA, o que potencializa a concorrência entre as agências tanto perante o consumidor, que sempre buscará a opção que lhe atender da melhor forma, quanto em relação à rede hoteleira que ganhou um pouco mais de autonomia perante a agência virtual.

No entanto, o acordo celebrado manteve a impossibilidade da rede hoteleira ofertar em seus canais de reserva online hospedagens mais baratas que as praticadas pelas agências virtuais. Esta exigência se manteve para evitar o chamado “efeito carona”, quando o consumidor conhece o hotel através da OTA, mas realiza a hospedagem diretamente no site do hotel por ser mais barato.

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Ora, o objetivo da Rede Hoteleira sem dúvidas é aumentar o número de reservas feitas diretamente, sem a atuação de um player intermediário, contudo deve se atentar para as regras impostas na relação havida com as OTA’s. Estratégias de fidelização do consumidor têm sido implementadas pelos hotéis e a tendência é que cada vez mais o consumidor faça diretamente suas reservas não apenas porque seria disponibilizado um preço mais interessante, mas também pela oferta de facilidade no processo de reserva e de vantagens de outras naturezas (adiantamento de check-in, atraso de check-out, disponibilização de brindes e serviços etc).

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Acreditamos que a manutenção da restrição da concorrência igualitária entre os hoteleiros e as OTA’s foi equivocada, especialmente porque, tal quais as redes hoteleiras, hoje as agências intermediadoras virtuais são grandiosas o suficiente no mercado para competir de forma igualitária utilizando sistema de fidelidade e códigos promocionais para fidelizar seus próprios consumidores e incentivar a realização de reserva por seus intermédios. Contudo, não tendo sido esta a conclusão do TCC assinado, os hoteleiros devem utilizar do seu poder de negociação para que nos contratos firmados entre eles e as OTAS, constem o menor número de restrição possível para a concorrência, especialmente porque a cláusula de paridade não é obrigatória e taxativa, devendo ser construída a partir da análise de cada negociação.

Uma ótima solução para minimizar o impacto da referida restrição de concorrência virtual é a oferta de outras compensações às OTA’s, tais quais: estender a elas o uso de tarifas promocionais, estabelecer cláusula de revisão contratual periódica, estabelecer cláusula de uso de mediação para solução de algum conflito durante o vínculo e estabelecer exclusividade para algumas categorias.

Diante do cenário de crise posto no setor hoteleiro brasileiro, não há dúvidas de que a atuação do CADE contribuiu para equilibrar o mercado e trazer uma concorrência mais justa entre os hoteleiros e as OTA’s, o que em última instância apenas beneficia o consumidor e injeta estímulos no mercado. Contudo, o cenário ainda pode ser melhorado a cada negociação, como indicado acima. Aguardamos ainda mais avanços no futuro!

*Mariana Stolze é advogada no Camardelli e Da Costa Tourinho Advogados, com atuação específica em Direito Hoteleiro. 

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