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Airbnb desperta polêmica no setor hoteleiro

Na era do compartilhamento, é possível dividir tudo: até o próprio quarto de casa com um estranho viajante. Foi o que fizeram dois estudantes norte-americanos em 2007, na cidade de São Francisco, na Califórnia, ao criarem o Airbnb. Vendo que os hotéis da cidade estavam cheios por causa de um congresso, eles colocaram à disposição três colchões de ar (airbed, em inglês) e café da manhã (breakfast) no apartamento que dividiam para hospedagem temporária. Pronto. Bastou uma momentânea falta de oferta hoteleira na região para que fosse criada a startup que impactou o setor naquele País, no Brasil e no mundo inteiro. Atualmente, a empresa está presente em mais de 190 países e vale cerca de 25 bilhões de dólares no mercado. Mas a ‘facilidade’, ideal para o turista da nova era, tem feito os hoteleiros entrarem em alerta.

Hoje, o Airbnb administra uma comunidade para que as pessoas anunciem e reservem espaços pela internet (via computador, tablets ou por celular). O portal permite que qualquer um alugue sua casa completa ou um ou mais quartos. Atuando como intermediário, o site oferece um seguro a ambas as partes e cobra 3% dos anfitriões e entre 6% e 12% do viajante, de acordo com o preço (quanto mais caro, menor o percentual cobrado).

No mundo, mais de 35 milhões de pessoas já se hospedaram através do Airbnb desde o seu início. No Brasil, a empresa conta com 45 mil anúncios em mais de 22 estados e 670 cidades. Durante a Copa do Mundo de 2014, 120 mil pessoas de mais de 150 nacionalidades vieram ao País hospedados pelo Airbnb. Mas tudo isso, no Brasil inclusive, não conta com quase nenhuma regulamentação e não segue nenhuma norma de segurança ou alvará de funcionamento, tornando, na opinião de muitos hoteleiros, uma competição desleal no mercado.

À primeira vista, vantagens
Segundo os próprios fundadores, as principais vantagens do Airbnb em relação a um hotel convencional são o espaço, onde uma família de quatro pessoas, por exemplo, pode ficar em um apartamento de até três quartos com um preço inferior a duas suítes que seriam necessárias em um hotel; cozinha para preparo das próprias refeições; itens de lazer gratuitos, como bicicletas, caiaques, vista para o mar, estacionamento, piscina, e outros; localizações residenciais; informações e dicas sobre a cidade que são passadas pelos proprietários e são muito mais apropriadas (para alguns) do que as oferecidas pelos concierges de hotéis, e dentre outras, não menos importante, o preço mais baixo.

Samuel Soares – “O Airbnb acrescentou uma nova fatia de viajantes no mercado do turismo. Muitos que antes não possuíam condições, hoje conseguem alugar um espaço em qualquer lugar do mundo”
Samuel Soares – “O Airbnb acrescentou uma nova fatia de viajantes no mercado do turismo. Muitos que antes não possuíam condições, hoje conseguem alugar um espaço em qualquer lugar do mundo”

De acordo com o Gerente de Marketing do Airbnb para o Brasil, Samuel Soares, os viajantes que se hospedam pelo Airbnb vivem uma troca cultural, pois tem a oportunidade de viver como um local e se sentir em casa, em qualquer lugar do mundo. Além disso, têm à disposição acomodações que atendem diferentes perfis e diferentes bolsos. “O anfitrião que decide abrir a sua casa no Airbnb, também vive uma experiência intensa de troca cultural, mas ainda tem na plataforma uma maneira de gerar renda extra. Estudos do Airbnb comprovam que pessoas que se hospedam pela plataforma tendem a ficar mais na cidade, e muitas vezes longe dos centros comerciais, onde normalmente se encontram os hotéis da cidade. Esse movimento fortalece os comércios locais, como padarias, mercados e salões de beleza, isso significa maior renda não só para o anfitrião, mas para as pessoas que moram e trabalham no bairro”, aponta Soares.

O executivo afirma ainda que o setor turístico tem potencial para crescer muito, em especial no Brasil, pela proximidade de grandes eventos como as Olimpíadas, e o Airbnb é um grande aliado dos hotéis neste contexto. “Há espaço para todos, porque as propostas são diferentes e os modelos acabam sendo complementares. Existem diferenças entre o público que se hospeda pelo Airbnb e o que procura acomodações tradicionais, como os hotéis. O Airbnb acrescentou uma nova fatia de viajantes no mercado do turismo. Muitos que antes não possuíam condições financeiras, hoje conseguem alugar um espaço em qualquer lugar do mundo e viajar”, declara Samuel.

Gabriela Otto – “O grande aprendizado que o Airbnb traz aos hoteleiros é a importância do  investimento em tecnologia”
Gabriela Otto – “O grande aprendizado que o Airbnb traz aos hoteleiros é a importância do
investimento em tecnologia”

Para a consultora hoteleira e do mercado de luxo Gabriela Otto, o sucesso desse tipo de negócio deixa uma mensagem muito clara: hoje quem domina a decisão de compra é o cliente. “Esse é o impacto. Vivemos em um mundo onde todo mundo vende para todo mundo. O Airbnb é mais uma opção para os viajantes atuais. E daqui a pouco surgirão outras. É o mercado em constante transformação, evolução, e não vai parar por aqui. Daqui a pouco surgirão outras startups, outros investidores dispostos a apostar em boas ideias, e outros consumidores ávidos por inovação. O grande aprendizado que o Airbnb traz aos hoteleiros é a importância do investimento em tecnologia. E isso não tem volta”, aponta Gabriela.
Ascensão e ameaça
Atualmente, a plataforma registra 37 milhões de reservas por ano, o que representa somente 20% da IHG, que faz 177 milhões anuais. Entretanto, até o final de 2016, sua previsão é chegar às 129 milhões de reservas por ano. Hoje, ele representa 17,2% da oferta de quartos de New York, 11,9% de Paris e 10,4% de Londres. Considerando estes dados, é preciso ficar atento aos seus movimentos. As últimas novidades da empresa são:

a) Foco na implantação da precificação dinâmica.
b) Ampliação do projeto ‘Business Travel’, onde colocam suas propriedades em portfólios de viagens de mais de 1.000 empresas em 35 países, incluindo Google.
c) Contratação do Relações Públicas que ajudou Bill Clinton a sobreviver ao impeachment.
d) Contratação do ex-CFO da Blackstone, empresa que possui grande quantidade de hotéis.
e) No Brasil, passou a aceitar cartões em Reais e parcelamento.
f) Obsessão dos fundadores com Big Data. Eles já se intitulam as ‘Agências de Viagens do Futuro’.

Em recente pesquisa, o Barclays, fornecedor global de serviços financeiros, se mostrou muito otimista com o Airbnb, afirmando que representa uma ameaça clara para o segmento midscale da hotelaria. Entretanto, somente 10% das reservas do Airbnb hoje são resultantes de viagens de negócios. “Este estudo também concorda que as questões regulatórias vão retardar esse crescimento. Em resumo, o Airbnb pode crescer mais do que qualquer rede hoteleira do mundo, mas também pode desaparecer muito rapidamente dependendo das regulamentações de cada país. E já que falamos de economia compartilhada, vale lembrar que o Uber (que está para os taxistas como o Airbnb para os hoteleiros) já vale mais de USD 50 bilhões em cinco anos de existência”, compara a consultora.

Os ‘contras’
Nem só flores rodeiam o Airbnb. Fora do País, muitos casos de falta de pagamento, roubo, reservas canceladas em cima da hora e perigos já foram registrados. Em Nova Iorque, recentemente, uma locatária teve seu apartamento totalmente destruído em uma noite por um ‘hóspede’ que deu identidade falsa via Airbnb. Em Barcelona, na Espanha, ocorreu uma situação onde um mesmo usuário tinha dezenas de anúncios no site, mas apenas quatro mostravam o número do cadastro no Registro de Turismo da Catalunha. Segundo as normas do país, este número deve estar visível em qualquer tipo de publicidade de apartamentos turísticos. No Brasil, os prejuízos assombram tanto os locatários e/ou proprietários, como os viajantes que alugam um quarto ou apartamento.

Registrando todo tipo de queixa contra empresas e marcas, no site Reclame Aqui constam hoje 367 reclamações diretas à marca Airbnb, e algumas outras em relação às empresas de pagamento ligadas ao portal. Até então, o Airbnb recebeu 192 avaliações, e tem 100% de suas reclamações atendidas. Destas, 77,6% foram solucionadas e 67,2% deste público voltariam a fazer negócio mesmo tendo problemas. Queixas como apartamento inexistente, cobrança em dólares ou euros (após a possibilidade do pagamento em reais), estorno não realizado após cancelamento, reserva cancelada no mesmo dia, pagamento confirmado e reserva cancelada são as mais comuns encontradas no portal. Todas elas, contam com uma resposta ao cliente, oferecendo contatos posteriores e uma primeira solução viável àquele problema.

O gerente de marketing da plataforma no Brasil, Samuel Soares explica que para tornar a plataforma segura e garantir uma experiência positiva para seus usuários, o Airbnb conta com mais de 40 ferramentas de segurança, verificação de e-mail, telefone, documento de identidade, Facebook e outras redes sociais. “Na própria plataforma, auxiliamos e direcionamos para que a comunidade tenha a melhor experiência possível, tanto viajando quanto se hospedando. Utilizar o chat da ferramenta para se comunicar, ver os comentários de outras pessoas sobre as características dos anúncios e dos anfitriões também são formas de garantir uma estadia perfeita. Há também a Garantia ao Anfitrião, que cobre até cerca de R$ 3 milhões se algo acontecer com o espaço anunciado”, defende o gerente.

O executivo explica que na própria plataforma, é recomendado aos anfitriões que consultem sua convenção de condomínio para se certificarem que sublocações não são proibidas ou que não haja nenhuma restrição em relação à hospedagem. Também é sugerido que o anfitrião leia os termos da sua locação e consulte seu locador, se necessário. Segundo o próprio site do Airbnb, a Garantia do Anfitrião de até R$ 3 milhões não é um seguro e não deve ser considerada como um substituto ou reserva do seguro de proprietário ou inquilino. Ela não protege dinheiro e numerários; animais de estimação; responsabilidade civil e áreas comuns ou compartilhadas. A Garantia ao Anfitrião fornece uma proteção sob o valor mencionado aos danos causados a uma propriedade elegível, no raro evento de os hóspedes causarem danos que não são solucionados diretamente com o hóspede, em países específicos, incluindo o Brasil. Estes pagamentos estão sujeitos a certas condições, limitações e exclusões.

Como se trata de uma locação, os cuidados que deverão ser adotados pelo proprietário do imóvel, em tese, são os mesmos adotados por qualquer locador de imóvel no Brasil, tais como: celebração de um contrato escrito, até para que seja fixado de forma inequívoca o estado no qual o imóvel é entregue; análise do perfil do locatário e, se possível, de sua condição financeira, especialmente nas hipóteses nas quais a locação perdure por um prazo maior; solicitação, se possível, de uma garantia locatícia, como, por exemplo, a caução de aluguéis, até para fazer frente a eventuais estragos que possam ser ocasionados ao imóvel; contratação de um seguro para o imóvel; e disponibilização de uma cópia do regimento interno do Condomínio ao locatário ou de eventuais regras de convivência existentes no imóvel.

Além dos cuidados mencionados acima, o advogado Luciano Mollica, especializado em direito imobiliário, menciona a importância de se observar que este conceito de locação “rotativa”, especialmente de apartamentos no Brasil, é algo relativamente novo e pode gerar grandes conflitos no âmbito condominial. “Isto porque, o condômino que aluga seu imóvel por curto período de tempo – às vezes somente por um dia e com muita frequência, infelizmente, não se pode negar, que pode expor o Condomínio e os demais condôminos a situações de risco, principalmente com relação à segurança dos demais condôminos”, explica.

Atualmente, a modalidade de seguro mais indicada é de Seguro de Responsabilidade Civil Geral, que cobre danos corporais e/ou materiais, causados a terceiros, ocorridos no interior dos estabelecimentos segurados, de acordo com o advogado. É possível, também, que o locador contrate um Seguro Residencial, capaz de cobrir danos causados por incêndios, danos elétricos, explosão de gás doméstico, roubos, entre outros. “No entanto, é importante que o locador verifique a apólice de seguro antes de realizar a sua contratação já que, em algumas seguradoras, o seguro não cobrirá danos havidos em imóveis que não possuam pessoas residentes regularmente ou moradias coletivas”, destaca Luciano.

Europa: primeira multa
Em 2011, com o investimento da empresa A-Grade Investment (pertencente ao ator norte-americano Ashton Kutcher), os atuais sócios Joe Gebbia, Brian Chesky e Nathan Blecharczyk abriram os dois primeiros escritórios internacionais: Hamburgo (pois compraram um concorrente alemão, Accoleo) e Londres. Em 2012, o foco foi justamente na expansão internacional, e as cidades escolhidas foram: Paris, Milão, Barcelona, Copenhagen, e Moscou. Mesmo sem essa proposta inicial, o Airbnb chegou e revolucionou o mercado de hospedagem informal, e na Europa não foi diferente. De apartamentos a castelos, este chega a ser o continente preferido dos viajantes, que podem ter diversos tipos de experiências por um preço baixo.

 Da esquerda para direita, os fundadores e sócios do Airbnb: Joe Gebbia, Nathan Blecharczyk e Brian Chesky
Da esquerda para direita, os fundadores e sócios do Airbnb: Joe Gebbia, Nathan Blecharczyk e Brian Chesky

Com sede alemã, a empresa investiu no continente e logo já incomodou a indústria turística tradicional local. Há cerca de dois anos, os órgãos públicos iniciaram ações para lutar contra a economia informal, e a Catalunha foi o primeiro lugar da Europa a multar o Airbnb, que teve de pagar 30 mil euros por comercializar apartamentos de forma ilegal na Espanha. O argumento para condenação foi de que as vendas intermediadas pela plataforma não foram devidamente registradas na Secretaria de Turismo da Catalunha, de acordo com fontes do Governo Catalão ao jornal El País. O portal também oferece quartos em casas particulares, o que é proibido pela legislação catalã.

Desde a entrada em vigor da legislação, o governo catalão legalizou quase 200 mil leitos para este fim turístico. O decreto permite que as casas sejam usadas para turismo, desde que os proprietários comuniquem a atividade para a Secretaria de Turismo da Catalunha, atendendo requisitos mínimos de higiene e cuidados. Contudo, o artigo 66.2 do Decreto 159/202 daquele país proíbe que os quartos sejam alugados, tornando a atividade inicialmente simples, um tanto complexa. Madri também tem penas previstas que vão de 3 mil a 300 mil euros para aquele que descumprir o decreto local, permitindo apenas imóveis completos e registrados para tal finalidade. Londres e Amsterdã, dois dos principais destinos europeus, além de Hamburgo, na Alemanha, já aprovaram regras para fomentar o uso do Airbnb.

Competição desleal
Mesmo declarando ter propostas diferentes, o Airbnb também incomodou os hoteleiros brasileiros. Sem regulamentação específica, os proprietários dos apartamentos utilizados para prática do Airbnb não pagam as diversas taxas e não seguem as exigências dos hotéis convencionais, como alvarás de funcionamento, verificações dos bombeiros, contas comerciais de água e energia, entre outros – configurando assim, uma competição injusta no mercado de hospedagem.

Assim como as autoridades locais da Espanha, o FOHB – Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil, não vê problema na existência de plataformas como o Airbnb, desde que estejam em equidade de cobrança de impostos e normatizações perante o Ministério do Turismo e principalmente de segurança. Para Manuel Gama, Presidente da entidade, a atividade que o Airbnb promove não é exatamente algo novo, e cita que a hospedagem é uma ação que começa antes de Cristo com as pessoas abrindo suas casas e alojamento para pessoas de fora. Por isso, “não somos contra: queremos apenas que as mesmas regras de extrema segurança que acontecem nos hotéis, de segurança predial e segurança física do hóspede, e também a carga tributária que cai em cima dos hotéis, além de PIS, COFINS e ISS sejam aplicadas ao Airbnb”, diz.

Manuel Gama – “Não somos contra: queremos apenas que as mesmas regras de extrema segurança que acontecem nos hotéis sejam aplicadas ao Airbnb”
Manuel Gama – “Não somos contra: queremos apenas que as mesmas regras de extrema segurança que acontecem nos hotéis sejam aplicadas ao Airbnb”

Para que um empreendedor passe a comercializar diárias de hospedagem, é preciso que ele tenha uma empresa especializada na área, que deve estar registrada no Cadastur, Sistema de Cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam no setor de turismo. Essa empresa também precisa de um alvará de funcionamento, deve emitir notas fiscais e seguir todas as normas de segurança dos bombeiros. “Temos ainda a grande gama de funcionários registrados para atender o cliente e o imposto de renda. Então, é muito fácil você não ter uma carga tributária, não ter os patamares de segurança, com os custos de segurança, e colocar um imóvel pra usar a um preço mais baixo. Porque não sofre esses ônus, e também não emite nota fiscal. Então eu não sei até onde cada uma das pessoas que apresentam seu imóvel ao Airbnb colocam sua receita no imposto de renda. E existem as normas dos impostos também de exportação de divisas. Creio que isso não acontece no Airbnb, nós não temos conhecimento disso, porque isso não está claro, não é transparente”, explica o presidente do FOHB.

Para atender o público, os hotéis têm que se adaptar às normas do AVCB Comercial, que é mais rigoroso do que as normas dos bombeiros para edifícios residenciais. Segundo Manuel Gama, a segurança deveria ser um item primordial a ser fiscalizado nos apartamentos e quartos anunciados pelo Airbnb. “Aqui resta a grande preocupação. Através do Airbnb, você coloca um imóvel, que é a sua casa, à disposição de um cliente, onde você não tem sprinklers, detectores de fumaça, não tem corredor e escadas de incêndio. Ou seja, o imóvel não está preparado para atender o público do ponto de vista de segurança”, defende o executivo.

Manuel Gama aponta ainda outro problema. O Airbnb utiliza os condomínios, que são taxados como residenciais pela companhia de água do estado, sendo mais da metade do preço de uma conta comercial. “No momento que você começa a ter um fluxo de Airbnb nesse condomínio, ele pode começar a ser taxado pela companhia de água como empresa, como um hotel. Então, são diversos fatores que nos fazem pensar um pouquinho nos detalhes, detectando que está havendo uma inversão de valores”, declara.

Regulamentação urgente

Nerleo Caus – “Num país com uma das maiores cargas tributárias do mundo, é urgente e necessária a regulamentação desses inúmeros sites e aplicativos”
Nerleo Caus – “Num país com uma das maiores cargas tributárias do mundo, é urgente e necessária a regulamentação desses inúmeros sites e aplicativos”

Com tantos argumentos contra a atividade sem regulamentação, os hoteleiros brasileiros não ficaram parados. No último mês de setembro, o Presidente da ABIH Nacional – Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, Nerleo Caus Souza apresentou um Projeto de Lei ao Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) que trata sobre a importância da regulamentação urgente para os novos modelos de serviços disponíveis a partir do avanço tecnológico. Entre os serviços oferecidos e que afetam a hotelaria profissional está o Airbnb. “Saudamos o novo, entretanto, numa sociedade democrática, com leis e obrigações que normatizam nossas ações, especialmente num país com uma das maiores cargas tributárias do mundo, é urgente e necessária a regulamentação desses inúmeros sites e aplicativos. Os serviços prestados pelas novas plataformas devem estar alinhados com um tratamento igualitário nos campos fiscal, tributário, sanitário e de segurança ao segmento ao que se propõe atuar”, explica o presidente da entidade, em acordo com o presidente do FOHB.

O texto do PL apresenta alterações aos artigos 21 e 23 da Lei 11.771/2008. Ao artigo 21, acresceu-se o inciso 8º. “Qualquer empresa que vise exclusivamente a realizar serviços de aproximação entre clientes e meios de hospedagem, utilizando-se de qualquer meio para tal finalidade, inclusive digital”. Já, ao inciso 5º do artigo 23, inclue-se: “Equipara-se a meios de hospedagem qualquer forma de prestação de serviços de alojamento temporário, inclusive prestado por pessoas físicas”.

Nerleo Caus completa ainda que o compartilhamento de espaços é uma tendência mundial, já presente nas principais cidades do mundo e agora mais intensamente no Rio de Janeiro, com a realização das Olimpíadas 2016, mas também ressalta a questão da competição injusta. “Nossa preocupação é com os abusos, a concorrência desleal e a falta de fiscalização, por isso é necessário que esses meios de hospedagem sejam fiscalizados pelo poder público e passem a contribuir com a sociedade, recolhendo normalmente os seus impostos e se adequando às demais regras do mercado”, aponta.

Airbnb perante a lei
O Airbnb é um site de pesquisa de acomodações, no qual os usuários criam uma conta gratuita para anunciarem seus espaços (“anfitriões ou locadores”) ou reservarem suas acomodações (“viajantes ou locatários”). Sob este conceito, o advogado Luciano Mollica explica que os locatários poderão realizar uma locação parcial de imóvel, tais como aluguel de quartos compartilhados ou quartos privados ou, ainda, uma locação total do imóvel (por exemplo: apartamentos, casas, chalés), mediante o pagamento de um aluguel aos locadores. Assim, a legislação aplicável no Brasil para os imóveis alugados por meio do Airbnb será a Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações).

Segundo ele, vale lembrar que uma das grandes diferenças das acomodações oferecidas no Airbnb com as acomodações típicas de uma operação hoteleira é que o usuário não terá acesso aos serviços de lavanderia; arrumação; concierge; restaurante, etc., ao longo de sua estadia, mesmo que queira pagar por estes serviços. “É importante observar, ainda, que a empresa administradora do Airbnb no Brasil desempenha funções correlatas à intermediação imobiliária. Neste sentido, é possível que haja questionamentos sobre a eventual necessidade de a administradora do Airbnb obedecer às disposições constantes na Lei nº 6.530/78, que regulamenta a atividade dos corretores de imóveis no país”, explica Mollica.

Luciano Mollica – “Se houver oferta de serviços de hospedagem, a atividade pode ser configurada irregular”
Luciano Mollica – “Se houver oferta de serviços de hospedagem, a atividade pode ser configurada irregular”

De acordo com a Lei nº 11.771/08, é considerado meio de hospedagem o estabelecimento destinado a prestar serviços de alojamento temporário e serviços necessários aos usuários (serviços de hospedagem), mediante cobrança de diária. Assim, tendo em vista que o intuito dos imóveis disponibilizados no Airbnb é de simples locação, o Airbnb não deve ser considerado um meio de hospedagem nos estritos termos da lei. “No entanto, se o conceito de locação for deturpado por seus usuários, por meio da prestação de serviços de hospedagem (tais como lavanderia, arrumadeira, serviço de quarto, etc), juridicamente, estaremos diante de um meio de hospedagem e, portanto, deverão ser aplicadas as mesmas regras das operações hoteleiras, nos termos da Lei nº 11.771/08, que disciplina a exploração da atividade de hospedagem no país”, pontua o advogado.

Quanto às tributações, Mollica explica que os rendimentos decorrentes de um contrato de locação são tributáveis pelo imposto de renda (IR), cujas alíquotas podem chegar ao limite de 27,5%, nos casos em que o contribuinte é uma pessoa física e alíquotas variáveis em caso de pessoas jurídicas, a depender de seu regime tributário e objeto social. No caso dos serviços de hospedagem, além da tributação decorrente do Imposto de Renda, os rendimentos são geradores de imposto sobre serviços (ISS), cuja alíquota é variável conforme o Município em questão. “Do ponto de vista tributário, em alguns casos, a locação da acomodação pelo Airbnb poderá ser mais vantajosa ao locador, uma vez que não haverá incidência do imposto sobre serviços (ISS). Porém, é importante lembrar que a empresa administradora do Airbnb será responsável pelo recolhimento de ISS, em razão da prestação dos serviços de administração de locações”.

Em relação a concorrência desleal, o advogado pontua que as atividades – contratação de locações pelo Airbnb e a contratação de meios de hospedagem – possuem uma legislação específica e, portanto, são responsáveis pelo recolhimento de um tipo de tributo. “De todo modo, conforme já dito, se houver o desvirtuamento da locação, por meio da oferta de serviços de hospedagem, no que se refere aos aspectos tributários, a atividade desenvolvida pelo Airbnb poderia ser configurada irregular”, declara.

Posicionamento
O Ministério do Turismo afirmou em nota que o serviço de hospedagem Airbnb não se enquadra na Lei Geral do Turismo (11.771/2008), mas na Lei do Inquilinato – como já citado pelo advogado Luciano Mollica. No texto ainda consta que os meios de hospedagem alternativos são uma opção para atender aos diversos perfis de turistas que viajam pelo Brasil e, na medida em que amplia o leque de ofertas, aumenta a competitividade do mercado turístico. Diante desse cenário, o Ministério do Turismo acompanha, por meio de pesquisa mensal, o interesse dos brasileiros em realizar viagens e os meios de hospedagem escolhidos com o estudo “Sondagem do Consumidor – Intenção de Viagem”, que mensalmente avalia nas principais cidades do País o perfil do turista e as intenções de viagem para os próximos seis meses.

Alternativas
Já ouviu o ditado “Se não pode contra eles, junte-se à eles”? É isso o que estão cogitando algumas empresas hoteleiras em algumas partes do mundo em relação ao Airbnb. A empresa afirma que não tem parceria formal com redes hoteleiras, mas não proíbe hotéis de distribuírem seu portfólio em seu site. De acordo com a consultora Gabriela Otto, o concorrente do Airbnb, o site HomeAway já conectou suas propriedades com Expedia (grupo do qual faz parte). Com isso, uma análise do Deutsche Bank concluiu que OTAs podem ser as mais impactadas, ainda mais com a ampliação do inventário de hotéis pelo Airbnb.

Hoje em dia, alguns proprietários de apartamentos em hotéis estão oferecendo suas unidades diretamente no Airbnb ao invés de distribuírem pelo ‘pool’ da rede hoteleira. “Recentemente soube de um hotel onde um dos proprietários mantinha uma pessoa no lobby, que abordava os hóspedes sugerindo que cancelassem a reserva e fizessem diretamente com ele pelo Airbnb, por um preço mais acessível. Nesse caso, uma revisão no contrato se faz urgente. Mas porque deixar isso acontecer? Se os hoteleiros tem a oportunidade de contar com mais um canal de distribuição, por que não?”, questiona a consultora.

As grandes redes Hyatt e Wyndham já estão investindo em concorrentes do Airbnb, além da Hilton e Marriott, que demonstram interesse em contarem com mais esse canal de distribuição. “Outros hotéis já estão lá. Sébastien Bazin, CEO da Accor, admitiu que foi um erro não ter investido neles no passado, e sinalizou estar aberto a trabalhar mais próximo do Airbnb. Ou seja, por que não?”, sugere Gabriela, que destaca que a melhor coisa a fazer agora é entender que a economia compartilhada é um modelo de negócios interessante e atrativo, mas não é o único. “A preocupação dos hoteleiros deve ser ‘entregar o que prometem’. É possível minimizar riscos com uma boa comercialização, aprimoramento constantemente do produto e serviço, e não ficar parado no tempo. O novo modelo oferece transparência, dinamismo e proximidade, abafando muitas vezes a apatia das marcas hoteleiras que não se renovam. Os hotéis precisam promover as vantagens do seu modelo de negócio, e trabalhar constantemente de forma criativa para se manter consistentes e rentáveis perante tantos desafios do mercado atual. O Airbnb não é o primeiro nem será o último desafio”.

As diferentes experiências pelo mundo são o principal atrativo do Airbnb
As diferentes experiências pelo mundo são o principal atrativo do Airbnb
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