Opinião

A década de transição da hotelaria e do turismo brasileiro

*Artigo escrito por Caio Calfat

 

A primeira década do terceiro milênio marca o divisor de águas da hotelaria e do turismo brasileiro. A Revista ConstruFlats & Hotéis – antiga denominação da Revista Hotéis – nascia em meio a este início de grandes mudanças e esteve sempre presente, precisa e atuante nos principais acontecimentos do setor, sempre com muita qualidade, equilíbrio e imparcialidade.
O Ministério do Turismo era criado, a Embratur passava a cuidar somente da promoção do país no exterior, o Plano Aquarela era criado e colocado em prática, os estados do Nordeste realizavam seu planejamento turístico e construíam sua estrutura turística com recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo, o Prodetur; o Brasil começava a despontar…
Em meio a este panorama, com os antigos problemas de poucas alternativas de financiamento para a construção de hotéis, a segunda geração de flats ocorria em muitas cidades importantes do país, quadruplicando a oferta hoteleira de São Paulo (SP), por exemplo, e provocando a seleção natural nos produtos hoteleiros destas cidades, com a entrada de novas redes hoteleiras internacionais e a o aprimoramento gerencial das administradoras nacionais. Assim, esta foi também a década de transição para o setor hoteleiro brasileiro, que evoluía de um parque hoteleiro em sua maioria formado por pequenos hotéis e pousadas familiares e amadores, para um setor em início de profissionalização, tanto em projetos quanto em serviços e modelos de gestão inovadores.
Nestes dez anos, novas vertentes do turismo surgiam ou foram aprimoradas, como o de eventos – colocando o país entre os mais importantes promotores de feiras, congressos e convenções do mundo –; o de ecologia e esportes, como o golfe, a equitação, o surfe, o náutico e os radicais, consagrando vários destinos brasileiros como Bonito (MS), as Chapadas, no Paraná Foz do Iguaçu (redescoberto), Socorro e Brotas como destinos paulistas de turismo de aventura e esportes radicais, as serras mineiras, o cerrado, as regiões em torno de nossos maiores rios, a serra gaúcha, represas, lagos e lagoas, cavernas, montanhas, cachoeiras; os turismos cultural, gastronômico, religioso, etc., em destinos de Norte a Sul.
De outro lado, de 2003 a 2008, na medida do crescimento do turismo de lazer, aumentava gradativamente o movimento do turismo doméstico e o número de estrangeiros – que fugiam do frio de suas terras para o calor de nossas praias – e, contando com o câmbio monetário a favor, planejaram inúmeros resorts e pousadas de lazer em praias, campos e montanhas por todo o país; destinos eram descobertos, como Itacaré (BA), Trancoso (BA), Lençóis Maranhenses (MA), Pipa (RN), Canoa Quebrada (CE), Touros e São Miguel do Gostoso (RN), Ponta dos Ganchos (SC), Aquiraz (CE), Cunha (SP), Guarajuba (BA), São Miguel dos Milagres (AL), várias praias do litoral norte paulista; outros eram redescobertos, como Praia do Forte (BA), Campos do Jordão (SP), Búzios (RJ), Angra dos Reis (RJ), Porto de Galinhas (PE), Morro de São Paulo (BA), Maragogi (AL), Cumbuco (CE), Barra de São Miguel (AL), etc. Foi a época dos masterplans de gigantescos resorts, planejados por poderosos grupos internacionais, contemplando hotéis com imobiliário-turístico, campos de golfe, portos e marinas, shoppings centers, centros de eventos, verdadeiras cidades dotadas de variados equipamentos de esportes, entretenimento e lazer, inseridos em praias do Nordeste para serem vendidos aos europeus, especialmente os da Península Ibérica, da Escandinávia e do Reino Unido.
Neste período, como que para testar nossa precária estrutura turística, ocorreu a crise da Varig e dos controladores de voos, provocando imensos atrasos nos aeroportos do país inteiro, durante quase um ano, fato responsável pela interrupção no crescimento do número de turistas estrangeiros no país, que tinha como objetivo – pelo Plano Aquarela – receber cerca de dez milhões de visitantes por ano em 2010 e que, devido à precariedade de nossa estrutura aeroportuária e o câmbio ora desfavorável, está estacionado nos seis milhões há um bom tempo.
No momento em que tudo apontava para uma super-oferta destes monumentais complexos de lazer, a crise econômica mundial, deflagrada no final de 2008, mudou este panorama. Os países europeus foram os que mais sentiram o golpe, o que alterou radicalmente o planejamento destes grandes resorts: vários estão “na gaveta, esperando dias melhores”, outros, mais próximos às capitais, alteraram o perfil destes empreendimentos, redirecionando-os aos brasileiros que moram perto e que ascendem economicamente, devido à estabilidade e crescimento do País. E estão tendo sucesso.
Ainda neste período, os cruzeiros, através dos gigantescos transatlânticos, encontraram seu espaço por toda a costa (sem trocadilho) brasileira nos quatro meses de alta temporada, oferecendo diversas atividades, como free shop e cassino, entre outras diferenciadas, provocando um desgaste intenso com os resorts, que, por já viverem em delicado equilíbrio devido à intensa sazonalidade, foram obrigados a dividir seus hóspedes com os navios, em condições de desigualdade, tanto em atrações, quanto em tarifas e condições de pagamento. Esta situação está estabelecida e o número de cruzeiros cresce a cada ano.
O Brasil não sofreu os efeitos da crise econômica mundial, pelo contrário, seguiu seu crescimento, criando um novo consumidor: a Classe D, além da natural ascensão de todos os brasileiros. O turismo interno cresce a níveis asiáticos, o que induz às nossas principais operadoras turísticas a se aprimorarem e a se estruturarem para este novo universo de consumidores. E estas empresas, destacando-se a CVC, têm atendido a estas exigências com excelência.
O turismo e a hotelaria no Rio de Janeiro (RJ) – nosso principal destino turístico –, depois de medíocre desempenho na década de 1990 – fruto de más administrações públicas – viveu um crescimento excepcional nos anos 2000 e permanece com ótima performance, em direção à consagração nos eventos esportivos que sediará.
A conquista do Brasil para sediar os dois maiores eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, também foram as novidades deste período. As doze cidades-sede escolhidas para o torneio de futebol desenvolvem seus projetos de mobilidade urbana e estádios e os hotéis se multiplicam pelo país, tanto os projetos de retrofit, quanto em construção de novos empreendimentos, procurando atender, em quantidade e qualidade, às exigências da FIFA – Federação Internacional de Futebol e do COI – Comitê Olímpico Internacional. Em algumas das sedes, como Belo Horizonte (MG) e Brasília (DF),  por exemplo, poderá haver super-oferta de hospedagem, em outras, como São Paulo, os preços dos terrenos inibem novos projetos hoteleiros, porém já há um parque hoteleiro pronto para a Copa, mas insuficiente para a demanda atual.
Quanto ao turismo de negócios e eventos, como a economia brasileira cresce exponencialmente e os principais investidores mundiais apostam no crescimento do País, o parque hoteleiro do país passa por um processo de crescimento e profissionalização, tanto em renovação e modernização dos empreendimentos bem localizados e com bons projetos, como em construção de novos estabelecimentos. Os hotéis econômicos são planejados para centenas de cidades com atividade econômica forte, os de padrão midscale em dezenas de municípios de médio e grande portes de todos os estados brasileiros e os upscale, assim como os hotéis e resorts-convenções, em endereços nobres dentro e no entorno das principais capitais. Com as dificuldades de obtenção de financiamentos e o mercado favorável, começa a ocorrer a terceira geração dos flats, agora denominados de condo-hotéis (para investidores pulverizados, funcionando exclusivamente como hotéis) e apart-hotéis (para moradores, oferecendo-se serviços hoteleiros).
E finalmente, a nosso ver, a década 2011–2020 será a do crescimento, a da profissionalização, a da evolução da hotelaria e do turismo brasileiro – e a revista Hotéis certamente registrará estes acontecimentos com a habitual competência. É possível prever que o turista a negócios e em eventos viajará mais assiduamente, que teremos o turista europeu de volta assim que a crise econômica for superada, que haverá um desenvolvimento acentuado nos projetos dos equipamentos hoteleiros, acompanhando a velocidade da evolução tecnológica, que outras grandes redes hoteleiras internacionais entrarão no país e atuarão em nossos principais destinos e as redes nacionais que se impuserem a esta concorrência terão amplo destaque, que inéditos destinos turísticos despontarão, que novos resorts e pousadas de lazer serão construídos pelo país.
E, em um nível mais alto de otimismo, ouso sonhar que teremos, afinal, novos aeroportos e que os existentes atenderão à demanda de forma satisfatória, que a capacitação de nossa mão-de-obra acompanhará as necessidades do setor, que as estradas rodoviárias atenderão à necessidade dos turistas – especialmente os que saem das capitais nos finais de semana prolongados – e que, além do trem-bala, o transporte ferroviário terá um novo desenvolvimento no País e que as hidrovias – com tantos rios lagos e represas existentes no país – abrigarão transportes de carga e de passageiros e serão exploradas de forma consistente por todo o País.

 

*Caio Calfat é Engenheiro civil, Consultor imobiliário e hoteleiro, Sócio-diretor da Caio Calfat Real Estate Consulting, Conselheiro e ex-presidente da LARES – Latin American Real Estate Society e Coordenador do Núcleo Imobiliário-Turístico e Hoteleiro do Secovi-SP

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