Especial

Os desafios de elaborar um bom contrato de administração hoteleira

Matéria publicada na edição de julho de 2014

Muitos investidores assinam contratos engessados com redes hoteleiras sem consultar advogados ou especialistas e depois descobrem que além de não terem a rentabilidade prometida, terão que pagar várias despesas administrativas

O mercado hoteleiro nacional está vivenciando seu melhor momento nos últimos anos, o que incentiva investimentos de R$ 12 bilhões nos próximos quatro anos para a construção de 70 mil apartamentos, de acordo com  dados do FOHB – Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil. Muita gente ainda acredita que estes investimentos são feitos pelas redes hoteleiras, mas a maioria que operam no Brasil, sejam internacionais ou nacionais, não possuem um centavo sequer de capital investido na hotelaria. A maioria destes recursos são de pessoas físicas que buscam fontes alternativas de investimentos ou querem fazer uma espécie de ‘aposentadoria contra a velhice’ e são eles quem fomentam o principal modelo que sustenta o desenvolvimento do parque hoteleiro brasileiro, os chamados condo-hotéis. Mas diante das oportunidades mercadológicas, muitos abusos estão sendo cometidos por incorporadoras, construtoras e administradoras hoteleiras. Contra estes investidores, que mesmo em sua maioria constituídos de pessoas de um bom nível cultural, eles não são alertados no ato da compra que adquirir uma unidade hoteleira pode significar investimento de risco.

Como muitos contratos são feitos de forma ‘engessada’ e se o investidor não assinar não adquire o sonhado imóvel que vai lhe garantir a prometida rentabilidade, nascem então os  conflitos com as administradoras hoteleiras. Dentre os principais motivos desses conflitos está justamente a falsa expectativa que os investidores acabam tendo com relação à rentabilidade do empreendimento. Muitos desses são atraídos por informações suspeitas com relação ao retorno financeiro que poderá ser obtido ao investir neste mercado. Em alguns empreendimentos hoteleiros de Belo Horizonte havia promessas em folders muito bem impressos, com belas fotos e frases de impacto como, “seja dono de um hotel, é seguro e rentável com até 1,5% ao mês de retorno sobre o capital investido”.

Certamente nos contratos assinados não havia uma prestação de contas e delimitação de funções de cada parte. Muitos investidores, ao aplicarem seu capital adquirindo uma unidade habitacional, geralmente no modelo de condo-hotel, imaginam que o investimento terá a mesma rentabilidade e retorno do que uma locação de imóvel convencional. Ou seja, existe a falta de percepção do negócio como um todo, o que resulta na discussão entre operadores e investidores, e geralmente, a solução desses atritos acabam parando nas mãos do poder judiciário.

Visões jurídicas

Para a advogada especialista em Direito Hoteleiro e sócia do escritório Camardelli Advogados, Laís Tourinho,  ainda existe no mercado a falta de conhecimento dos investidores com relação ao tipo de aplicação a qual estão realizando. “Muitas vezes, encontramos investidores que não tem plena consciência de que o investimento que farão não é apenas imobiliário, pura e simplesmente; em verdade, o retorno do investimento dependerá bastante da gestão a ser realizada pela administradora hoteleria na operação. Este deve ser claramente informado sobre todas as características do empreendimento e que seja alicerçado em bases contratuais coerentes e sólidas. Na medida em que a oferta de investimentos em hotelaria, na forma de condo-hotéis, vem aumentando, muitas vezes desenfreada e irresponsavelmente, os conflitos entre administradoras hoteleiras e investidores tendem também a crescer. O sucesso do investimento depende intimamente da operação hoteleira”, comentou.

A advogada afirma que os contratos firmados, seja de locação, de administração ou de Sociedade em Conta de Participação (o qual é o mais frequente entre investidores e administradoras hoteleiras), devem prever expressamente a forma de remuneração do investidor, os aportes que este precisará realizar, dentre outras cláusulas essenciais.

Tributos cobrados

Outro ponto que tem gerado intensa discussão entre investidor e administradora é com relação a taxas e impostos. Muitas administradoras repassam para os investidores taxas como IPTU, o que acaba causando desconforto com o investidor. De acordo com Raphael Moreira, especialista em Direito imobiliário do escritório Veirano Advogados, os tributos federais devem ser recolhidos pela administradora hoteleira, conforme orientação da Receita Federal. “Estes devem ser recolhidos por ela, tal como se o pool hoteleiro operasse como uma SCP – Sociedade em Conta de Participação. A responsabilidade pelo pagamento dos tributos varia entre as diversas formas de estruturação do negócio hoteleiro. Por exemplo, caso o contrato que regule a relação bandeira x adquirentes seja de locação, o IPTU (tributo municipal), deve ser recolhido pela operadora. Caso o contrato seja de administração, o mesmo tributo deve ser recolhido pelos proprietários”, afirmou.

Segundo Moreira, geralmente as operadoras hoteleiras trazem para si a responsabilidade do pagamento desses tributos. Porém, o advogado afirma que a responsabilidade por pagamento de tributos é expressamente delimitada pela legislação tributária. “Ultimamente, temos visto um crescente aperfeiçoamento da relação entre adquirentes de unidades imobiliárias destinadas à hotelaria e as bandeiras hoteleiras. Sugiro sempre aos leitores que procurem profissionais especializados neste mercado antes de fazer qualquer transação, por menor que seja. A precaução traz economias futuras muito relevantes”, pontuou.

Cláusulas abusivas

Localização privilegiada, bons índices de rentabilidade em relação ao capital investido, performance acima da média de mercado. Esses são alguns dos pontos que mais atraem os investidores nos estandes de vendas de novos empreendimentos hoteleiros. Mas um dos pontos que mais atraem é sem dúvida a bandeira a qual irá operar o novo hotel. Porém, por lançarem cada vez mais novos empreendimentos no mercado brasileiro, muitas redes hoteleiras impõem as incorporadoras e construtoras exigências absurdas que são passadas para os investidores através de um contrato engessado e com cláusulas abusivas.

Na opinião do advogado Eduardo Coelho, sócio do escritório Coelho & Dalle Advogados, os investidores precisam, acima de tudo, buscar administradoras que possuam bom nome no mercado e que seu capital possa ter o retorno o qual desejou. “Os investidores devem buscar, principalmente, uma administradora com boa imagem e com um acervo (outros empreendimentos) para lhe apresentar. Isso não significa que o empreendimento será 100% exitoso, mas já é um ponto de partida para garantir o retorno do capital investido no ativo em questão. Em geral, os contratos elaborados são claros, mas de difícil negociação para os investidores. A prática mostra que quão maior for a administradora menor a possibilidade de negociar as respectivas cláusulas. Assim, caso o investidor tenha um perfil mais conservador, dificilmente ele irá aceitar as disposições de tais contratos. Atualmente as cláusulas de performance tem sido a principal ferramenta que os investidores possuem para rentabilizar seus recursos, pois são provavelmente a única situação factível para o desfazimento de um negócio. Até mesmo as administradoras mais ‘rígidas’ têm aceitado tais cláusulas”, ressaltou.

A exigência da retenção de parte da receita da unidade hoteleira para a reposição do FF&E (termo em inglês Furnishing, Fixtures & Equipment – o qual corresponde em geral toda a mobília, iluminação, carpetes, artigos de decoração e revestimentos) também gera, em alguns casos, dúvidas para os investidores, pois não existe uma fiscalização se o capital reservado está sendo realmente destinado para este fim. De acordo com o advogado Eduardo Coelho, essas taxas devem ser bem calculadas no momento da elaboração do contrato. “Em todas as participações que participamos (mais de 20 nos últimos dois anos), nenhuma administradora (pequenas, médias ou grandes) deixou de exigir uma retenção das receitas para a reposição do FF&E. Na qualidade de proprietário do ativo e com as prerrogativas de fiscalização que o contrato lhe conferem a efetiva utilização de tais recursos não é de difícil aferição. Primeiramente por que é um percentual calculado diretamente da receita bruta (muitas vezes, de forma progressiva – aumentando à medida que os anos passam). Em segundo lugar porque se trata de um investimento aparente, visível na própria estrutura do ativo”.

Pressão por resultados

A pressão por resultados por parte dos investidores tem sido um dos pontos de tensão entre eles e as administradoras hoteleiras. Por acharem que as mesmas não se empenharam o bastante para a rentabilidade do negócio, muitos investidores acabam discutindo acerca do cumprimento do contrato. Na visão de Luciano Mollica, advogado e sócio do escritório de advocacia Bicalho & Mollica Advogados, por conta da falta de uma clara atribuição de funções entre investidor e administradora, muitos desses conflitos acabam indo parar nos tribunais. “Ao identificar questões que considera importantes para a operação do empreendimento, os investidores acabam pretendendo ter voz nas decisões de gestão. Não é inviável que determinado contrato preveja hipóteses em que o investidor pode ter voz nas decisões de gestão, mas isso deve ser cuidadosamente discutido com o operador hoteleiro de modo a não apenas não comprometer as atividades regulares do hotel, mas também não significar uma transferência maior de riscos da atividade para o investidor. Mais frequente, contudo, que a ingerência do investidor nas decisões gerenciais são os problemas decorrentes da falta de prestação de contas por parte do operador do empreendimento hoteleiro. Quanto maior a transparência na relação com o investidor, menos problemas vai ter o administrador. O investidor ficará satisfeito em poder acompanhar e conferir os números do empreendimento ”, pontuou.

Para Mollica, esse tipo de tensão e pressão por resultados é muito comum em situações que conjugam capital e trabalho, e esse tipo de pressão por parte dos investidores sempre ocorrerão pois os mesmos sempre desejarão atingir um retorno acima do esperado com o seu investimento. “Assim como o investidor tem que ter a consciência de que investir em determinada atividade significa partilhar dos riscos associados, as administradoras hoteleiras, que não colocaram o capital, tem também de saber que estarão sujeitas a uma pressão maior por resultados, bem como a um maior controle de suas atividades. O melhor instrumento de proteção do investidor é um contrato bem elaborado, no qual exista a clara definição das obrigações de ambas as partes, especialmente no que se refere a cláusulas de performance da administradora, que uma vez não alcançadas por ela, autorizem o investidor, sem a necessidade de indenizar a administradora, a rescindir o contrato, substituindo-a por outra. Caberá ao investidor avaliar se administradora não alcançou os resultados esperados devido a fatores externos, alheios à vontade ou previsão da administradora, tais como condições de mercado desfavoráveis, podendo, em tal hipótese, optar por não rescindir o contrato, mantendo a administradora e aguardar por um momento de mercado mais favorável”, comenta o advogado, que afirma que esta é a melhor garantia para que o investidor tenha a garantia de que a administradora irá lutar por resultados positivos e não se acomodar apenas na retenção de receita bruta (central de reserva, ações de marketing, entre outras).

Cenário preocupante

Com a intenção de fomentar a oferta de leitos hoteleiros na cidade de Belo Horizonte (MG), a Prefeitura do município ofereceu diversos incentivos que acabaram resultando em uma oferta maior do que a demanda na cidade. Segundo especialistas do setor, muitos investidores foram lesados por falsas promessas de rentabilidade, sendo que algumas empresas ofereciam retorno acima de 1% em muitos dos empreendimentos lançados. De acordo com o estudo divulgado pelo consultor Maarten Van Sluys, dos 80 projetos que deram entrada na Prefeitura, 21 hotéis estão com obras atrasadas (3.138 apartamentos) e 35 projetos foram cancelados ou viabilizados, o que gerou muitos conflitos com investidores.

O advogado da Caixa Imobiliária e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG – Ordem dos Advogados do Brasil – Minas Gerais, Kênio Pereira, ressalta que a situação de Belo Horizonte é preocupante. “Há várias construtoras e incorporadoras que não cumpriram o que prometeram, ou seja, a entrega dos hotéis em pleno funcionamento no mês de fevereiro/2014. Houve uma enorme propaganda visando convencer os investidores a adquirir unidades hoteleiras, sendo que o problema decorre do vício das pessoas não refletirem sobre as particularidades do negócio, ou seja, compram com base em promessas e propaganda e dispensam uma consultoria isenta. O resultado é o constante aumento de processos judiciais, que têm elevado custo, visando a devolução do que foi pago, já que há edifícios com as obras praticamente paradas, sem previsão de entrega. Certamente, com o aumento da oferta de unidades hoteleiras num cenário de economia desaquecida, a rentabilidade será bem inferior ao percentual prometido de 1%, situação essa que frustrará vários investidores que confiaram em demasia nas propagandas”, alertou.

Segundo ele, por conta do volume expressivo de lançamentos de hotéis em prazo curto, muitas construtoras decidiram abortar a operação e recuaram, porém, outras decidiram manter as vendas de unidades hoteleiras, sem muita certeza se iriam conseguir concluir as obras. “Quem assumiu vender na planta unidades hoteleiras tinha pleno conhecimento da falta de mão de obra em 2010 e sabia dos riscos do excesso de oferta. Mas a sedução por obter maior lucro com o incentivo da Prefeitura em aumentar o coeficiente de aproveitamento para cinco vezes a área do terreno, onde em alguns locais o limite era de apenas uma vez essa área, estimulou muitos a lançarem os hotéis. Logicamente, o investidor, como consumidor, não pode ser prejudicado, pois este tem o direito de exigir que seja cumprido o que lhe foi prometido em contrato. O que vejo aqui em Belo Horizonte é a falta de seriedade de algumas empresas que promovem negócios de maneira irresponsável, que vendem mesmo sabendo que não tem plena capacidade de entregar. Grande parte desses problemas poderiam ser evitados se os compradores agissem de maneira mais profissional, ou seja, que buscassem previamente entender as leis que os protegem e deixassem de assinar contratos sem ler ou sem entender os reflexos de suas cláusulas”, pontua o advogado.   

Regulamentação dos condo-hotéis pela CVM

Os abusos que estão sendo cometidos por algumas incorporadoras, construtoras e administradoras hoteleiras chamou a atenção da CVM – Comissão de Valores Mobiliários que notificou várias empresas e deverá intervir para regulamentar a captação de recursos para os condo-hotéis. A CVM entende que existe risco neste investimento que não deveria ser negociado em estandes junto a obra por corretores de imóveis. E na maioria das vezes, ao adquirir uma unidade hoteleira, o investidor tem de assinar um contrato padrão de letras minúsculas, pois foi convencido por folders de propaganda ou mesmo pelo corretor que investir no negócio é seguro e rentável.

De acordo com o advogado Luciano Mollica, a CVM já vem fiscalizando o mercado de capitais dentro de sua competência nos termos da Lei 6.385/1.976  e não seria necessário regulamentar os condo-hotéis. “Quando falamos de mercado imobiliário, temos uma regulamentação própria, especialmente nos casos de incorporação imobiliária. Isso não quer dizer que a venda de imóveis, unidades, lotes ou fração de imóveis possa ser objeto de fiscalização da CVM, sendo um controle difuso que ela faz do mercado”, comentou.

O advogado apresenta alguns pontos os quais a CVM utiliza para fiscalizar novos projetos, por suspeita de oferta irregular. “A insegurança desse controle se encontra na caracterização de valor mobiliário, que pode ser quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo que: 1- sejam ofertados publicamente; 2- gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração; e 3- cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. Assim sendo, vendas de empreendimentos imobiliários que não tiverem essas três características elencadas, dificilmente serão alvo de fiscalização da CVM. Agora, naqueles casos em que essas características sejam observadas, o que tem sido relativamente frequente nos últimos anos (vide as notificações da CVM à empreendedores de condo-hotéis, que já ultrapassam 50 notificações), possivelmente a CVM irá notificar para que se esclareça as características do empreendimento e da forma que ele será negociado. Caso essa regulamentação tome forma, é preciso que a CVM use do seu bom senso para entender as peculiaridades do mercado imobiliário, principalmente pelo fato de que ela, por mais que detenha poder de fiscalizar o mercado de capitais, não tem poder para regulamentar de forma contrária à legislação imobiliária”, alertou.

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Fispal

Um Comentário

  1. Boa tarde.
    Adorei as explicações, pois estou querendo adquirir um imóvel tipo Flat no nordeste.
    Antes de tomar esta decisão vou querer consultar um advogado na transação do negócio caso aconteça.
    Por isso estarei aberto a receber mais informações e indicação de escritório de advocacia competente que tenha profissionais competentes para me orientar.
    Obrigado Carlos

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