Especial

Hotelaria se une contra a arrecadação de direitos autorais nos apartamentos

A cobrança de direitos autorais por parte do ECAD — Escritório Central de Arrecadação e Distribuição pela disponibilização de aparelhos de rádio e televisão nos apartamentos de hotel é um velho questionamento jurídico que se trava em várias instâncias do judiciário e parece que o fim da polêmica ainda está muito longe. Se o indivíduo não paga para ouvir música, nem para ver televisão nas residências, porque pagar para ouvir música no interior dos apartamentos de hotel se este tem caráter privado e não público. Este é o principal argumento defendido pela maioria dos hoteleiros que resolveram se unir para resolver o impasse.

Recentemente uma comissão de representantes da ABIH/RJ — Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio de Janeiro, do FOHB — Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil, da Resorts Brasil, FBHA —Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação e da ABIH Nacional, estiveram  na sede do STJ — Superior Tribunal de Justiça em Brasília (DF), onde se reuniu com ministros da casa para apresentar as reivindicações da hotelaria a respeito da cobrança de direitos autorais pela disponibilização de aparelhos de rádio e televisão nos quartos de hotel. “Toda nossa argumentação está baseada no fato de que os apartamentos dos hotéis são áreas de total privacidade do usuário, e mesmo oferecendo acesso a equipamentos rádio-televisivo, nenhum estabelecimento hoteleiro exige que determinada música ou programação seja ouvida. Existe uma interpretação equivocada por parte do ECAD quanto ao conceito de quarto de hotel como freqüência coletiva”, questiona Roberto Rotter, Presidente do FOHB.

Este também é o mesmo questionamento do Presidente da ABIH/Nacional, Enrico Fermi que acrescenta ainda que há muito tempo atrás vários hotéis utilizavam aparelhos de sons nos apartamentos, mas com as cobranças do ECAD muitos passaram a não utilizar mais o rádio relógio. “Não faz sentido cobrar direitos autorais por uma suposta música que o hóspede poderá ouvir dentro de um apartamento, pois este local é de uso privado”, destaca Fermi.

Contradição de leis
Ele concorda que a cobrança é devida em áreas comuns, como halls e restaurantes,  mas nos quartos não, pois o hóspede fica totalmente livre para utilizar ou não os equipamentos e se utilizar pode escolher qual música, estação ou canal prefere. Rotter lembra que existe uma contradição na lei dos direitos autorais de número 9.610/98 que em seu artigo 68 classifica os hotéis como lugares de freqüência coletiva. Por outro lado, a lei número 11.771/2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, estabelece os quartos de hotéis como locais de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede.

O Gerente executivo de arrecadação do ECAD, Márcio Fernandes discorda deste ponto de vista e diz que a música inserida tanto na programação sonora ou televisiva nos quartos dos hotéis é um atributo importante para maior conforto dos hóspedes e clientes, o que agrega valor ao negócio. “Do ponto de vista jurídico, redes hoteleiras devem pagar direitos autorais, pois os quartos de hotel não se constituem residência dos hóspedes, além de haver uma rotatividade de clientes, configurando-se, assim, locais de frequência coletiva. De acordo com a Lei de Direitos Autorais, toda pessoa física ou jurídica que faça uso da música em locais de freqüência coletiva deve pagar direitos autorais”, assegura Fernandes.
Segundo ele, atualmente, redes hoteleiras como Royal Palm Hotels e Resorts, Marriott Brasil, Club Med Brasil e Sauípe estão entre as que pagam direito autoral de compositores, intérpretes, músicos, editoras e gravadoras no Brasil de forma espontânea, ou seja, sem ser necessário recorrer ao Judiciário. “O Ecad está aberto a negociações com hotéis, assim como com outros estabelecimentos comerciais. O Judiciário é sempre o último recurso para assegurar os direitos autorais daqueles que possuem sua obra explorada sem autorização”, avalia Fernandes.
Mas afinal de contas, como é feito o cálculo de direitos autorais para serem pagos nos hotéis. Fernandes explica. “O cálculo da retribuição leva em conta a quantidade de aposentos. Para a definição desta quantidade, somente são computados os aposentos de acordo com a taxa de ocupação do hotel e sobre este percentual é utilizado o índice de efetivas utilizações dos aparelhos de TV e rádio por parte dos hóspedes. Este índice fora aferido pelo IBOPE que entrevistou hóspedes de diversos perfis, em todas regiões geográficas do Brasil, por meio de metodologia de amostra utilizada exclusivamente para este tipo de pesquisa. Exemplo: Um hotel com 100 aposentos, que conta com 80% da taxa de ocupação localizado na região Nordeste do País, onde o índice de efetiva utilização de rádios e TVs é de 57%, terá como base de cálculo 45,6 aposentos.  É importante ressaltar que esse cálculo exclui as execuções musicais realizadas nas demais áreas dos hotéis, motéis, pousadas e similares, como sonorização em restaurantes, academias, boates, ou demais áreas afins”.

Roberto Rotter: "Existe uma contradição na lei dos direitos autorais com a lei geral do turismo"
Roberto Rotter: “Existe uma contradição na lei dos direitos autorais com a lei geral do turismo”

Arrecadação crescente
Fernandes revela que a arrecadação dos direitos autorais vem crescendo a cada ano, inclusive no segmento hoteleiro. Em 2009 foram arrecadados R$ 11.005.934 provenientes desse segmento, frente aos R$ 12.028.544 recolhidos no ano de 2010, o que traduziu um crescimento de quase 10%. “Esse crescimento é consequência de múltiplos fatores, principalmente pela conscientização dos hoteleiros da necessidade de pagamento do direito autoral, não somente por ser uma exigência legal, mas como uma forma de reconhecimento e incentivo para os diversos artistas que compõem músicas, do aumento da capilaridade do ECAD, que vem melhorando significativamente sua cobertura em todo território nacional; da aproximação com diversas entidades espalhadas pelo Brasil, sobretudo os sindicatos de hotéis, bares e similares; entendimento do judiciário em diversas ações judiciais, além dos muitos acordos realizados com os hotéis utilizando os critérios de taxa média de ocupação e efetiva utilização dos aparelhos. Dos valores arrecadados em todos os segmentos de execução pública musical pelo ECAD, 75,5% são repassados aos titulares filiados e 7,5% às associações de música para suas despesas operacionais. Ao ECAD são destinados os 17% restantes para a administração de suas atividades em todo o Brasil”, explica Fernandes.

Visão jurídica
Mas o que dizem os juristas a respeito desta polêmica. O advogado Alexandre Lyrio, Sócio do Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados com pós-graduação em Direito da Propriedade Intelectual, tem uma posição bem firme a respeito. “Ainda que o artigo 68, parágrafo 3º, da Lei de Direitos Autorais defina o que seja local de frequência coletiva, é de se notar que esta diz hotéis e não quartos de hotéis. A diferenciação é necessária, pois a interpretação do artigo não pode ser literal, pois, da mesma forma que ao final diz o artigo — ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas— não se supõe incluir nesse artigo residências, apesar de serem lugares onde comumente se executam, transmitem, representam obras literárias, artísticas ou científicas. Contudo, caso residências estivessem inseridas neste rol, perder-se-ia o conceito de público ou coletivo”, destaca Lyrio.
Ele faz uma analogia simples e de fácil entendimento em relação ao pagamento de direitos autorais cobrados nos apartamentos dos hotéis. “É comum que em hospitais particulares estes possuam televisões e rádios. Igualmente aos quartos de hotéis e motéis, há fluxo de pessoas, no caso, internadas que ocupam esses quartos. Contudo, supor que um quarto de hospital seja um local de frequência coletiva agride ao bom senso. De mesma forma, supor que o hospital obtenha algum lucro indireto por ter televisão ou rádio, não é razoável, posto que ninguém escolhe o hospital que será internado pela qualidade das televisões, rádios ou quantidade de canais disponíveis. O mesmo, principalmente quanto à freqüência coletiva, se aplica aos quartos de hotéis, e, principalmente, aos dos motéis. É necessário que haja lógica na interpretação do dispositivo, buscando dar cumprimento à finalidade da lei”, avalia Lyrio.

Nova batalha jurídica
E ao que tudo indica, novos rounds nesta batalha jurídica deverá iniciar em breve, pois no último dia 27 de abril, uma ação ajuizada pelo ECAD contra o hotel Continental, de Porto Alegre, foi julgada na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. O empreendimento foi defendido pelo advogado da FBHA — Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação e esmo com uma defesa consistente, o Tribunal considerou que o processo deve ser julgado sob a ótica da Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610/1998), que considera o quarto de hotel um local coletivo. Deixou de ser considerada, para fins meritórios, a Lei Geral do Turismo (Lei 11.771/2008), que estabelece que os quartos de hotel constituem local de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede. Esta decisão não cabe recurso e mais uma vez reafirmou que a disponibilização de aparelhos fonomecânicos nos quartos dos hotéis e motéis não está isenta do pagamento dos direitos autorais. É inegável que o objeto dos estabelecimentos hoteleiros seja justamente a acomodação de hóspedes, sendo que música inserida tanto na programação sonora ou televisiva nos quartos é um atributo importante para maior conforto dos hóspedes e clientes, agregando valor ao negócio incidência dos direitos autorais.

Márcio Fernandes: "A arrecadação de direitos autorais nos hotéis cresceu 10% no ano passado"
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